Artigos › 03/01/2025

Nossa maior herança vem do céu

Conta uma antiga lenda que um pai moribundo chamou a si os dois filhos e lhes disse:

 

“Tenho um segredo de prosperidade, mas isto só acontecerá se vocês reformarem o velho moinho da fazenda. Toda farinha ali produzida pode transformar-se em ouro. Basta fazê-lo funcionar com a maior quantidade possível de trigo!”

 

Mal sepultaram o velho pai, os dois ambiciosos herdeiros puseram a mão na massa (ou melhor: nas ferramentas de trabalho), plantando vastos alqueires de trigo e reformando inteiramente o velho moinho, para vê-lo produzir ouro em abundância. Anos se passaram, sem que a branca farinha ali produzida brilhasse como ouro, como lhes dissera o pai. Ao vendê-la, depois de abarrotados os celeiros, viram enfim as reluzentes moedas de ouro, o quinhão equivalente ao fruto de seus trabalhos. Compreenderam então a última lição paterna: só o trabalho faz milagres!

Este conto singelo e quase infantil parece perder sua força no mundo globalizado. Produção, hoje não é tudo. É preciso consumo. É preciso mercado, preço justo, salário compatível, qualidade, certificado disso e daquilo, incentivos fiscais, facilidades aduaneiras, logística (meios de transportes adequados e eficientes), subsídios e outras balelas mais.

 

Poder do mercado

Assim, neste emaranhado e voraz mercado, o trabalho individual, muitas vezes, perde valor diante do “trabalho” especulativo, do simples jogo das bolsas e dos pregões, que ditam as regras e fazem tinir as moedas mais fortes; enquanto as mais pobres sucumbem quais moribundas sem direitos a qualquer honra ou respeito à função que pensam desempenhar no mundo. Não dignificam o trabalho dos mais fracos.

O mercado de trabalho tende a ser uma atividade virtual, quase fantasmagórica diante do sobe e desce da dita bolsa, – que mais se parece com uma bolha de sabão – que hoje dá as cartas no mundo financeiro. Será que o suor do trabalhador braçal virou poesia, lenda do passado?

O fato é que, enquanto não retomarmos a engrenagem do mundo do trabalho de maneira justa, enquanto a mão de obra básica para qualquer produção não se sentir parte de uma atividade essencial na cadeia evolutiva da prosperidade humana, nunca esta prosperidade será completa. “Nada há de melhor para o homem do que alegrar-se com o fruto de seus trabalhos. Esta é a parte que lhe toca” (Ecl 3,22). Todavia, há uma grave distorção social em curso, que exclui dessa lógica os países subdesenvolvidos, o trabalho dos pobres.

Prosperidade não é a simples contabilidade positiva dos bens, do luxo, das riquezas e da soberania conquistada à custa do sacrifício de muitos. Isso é usurpação. Isso é fruto do velho moinho da ganância, onde a farinha triturada não reluz aos olhos da justiça, nem possui a qualidade das bênçãos celestiais.

 

Reformular nossos moinhos

No início deste Novo Ano, é hora de reformar nossos moinhos, reformular nossos conceitos de prosperidade, riqueza e sucesso. Além do mais, a verdadeira prosperidade não nos escraviza aos bens conquistados, mas liberta. Porque nossa maior herança vem dos céus, não da terra. “Portanto, já não és escravo, mas filho, e se és filho, então também herdeiro por Deus” (Gal 4,7). Mãos à obra.

O moinho do Pai precisa girar, produzir os milagres da verdadeira prosperidade, o pão dos céus entre nós.

 

 

Padre Lino Baggio, SAC

Padre palotino e vigário paroquial em Coronel Vivida (PR).

lino_baggio@terra.com.br

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