Nossa Senhora das Dores
Nossa Senhora das Dores
Todo ser humano já sentiu e conhece a dor; mas, estranhamente, não se pode explicar o que é dor.
Comparar é o que fazemos para explicar: “Dói como se tivesse um espinho, dói como se queimasse, dói como se rasgasse…”. Mas, como explicar a dor como se rasgasse, queimasse ou espinhas? Só é possível recorrendo à experiência sensorial daquele que nos ouve, pois quem já sentiu essas dores, conhece-as. Entretanto, a dor não atinge só o corpo e, quando a dor não é física a chamamos de sofrimento e, sofrimento dói também, e muito.
Neste mês voltamos nosso olhar e súplicas para Maria, mãe de Jesus e nossa mãe, com o título de Nossa Senhora das Dores, porque ela experimentou e conhece as dores que doem nas pessoas.
Ela viveu as exigências de passar da infância para a vida adulta, da menina para a mãe. Desempenhar esses papéis é a resenha da alegria, da expectativa e do desafio, realidades que alcançaram todas as mulheres da época de Maria e que alcançam as mulheres de hoje, também.
AS DORES DE NOSSA SENHORA
Dói deixar seu lar, a segurança de sua casa e viajar nos últimos dias da gestação. Sofrimento e dor se misturam quando cansaço, trabalho de parto e ausência de hospedagem e de privacidade se encontram. Nossa Senhora das Dores ilumina, com sua experiência, a vida das gestantes e puérperas nas prisões, imigrantes, e em situação de rua, mostrando que a natureza tem seu caminho e é vitoriosa.
Migrar com seu marido, seu bebê e os objetos que couberam em uma sacola não é o sonho de ninguém, especialmente se esta saída é acompanhada pela ameaça à vida. Nossa Senhora das Dores ilumina os passos dos migrantes, dos refugiados, dos deportados, dos que vivem na clandestinidade escondidos por medo da morte.
Voltar para seu país em meio a instabilidades sociais e econômicas, tendo consigo a sombra da perseguição e da ameaça à sua vida e da sua família, exige resiliência e capacidade de agir enquanto espera para manter o curso da vida. Nossa Senhora das Dores é inspiração de força e de superação para quem, por força maior, teve que abandonar seus projetos e voltar para o ponto de onde saiu, suportando as humilhações e as opiniões de quem fala sobre a vida e a história dos outros.
DOR DA DESPEDIDA
Viuvez e despedida de quem se ama é sofrimento tão profundo que se torna dor física, capaz de prostrar o enlutado. Enviuvar é perder a presença ativa e silenciosa de quem compartilha a sua vida, dá suporte quando a cruz pesa, apoia na orientação dos filhos, inspira quando há impasse, e oferece carinho em todos os dias. Nossa Senhora das Dores ilumina a vida dos viúvos, dos que buscam força para cuidar sozinho dos filhos e são arrimo da família.
Cresce o filho e ele ganha o mundo, a estrada é seu cotidiano. É tirado o seu prato da mesa, a cama deixa de ser feita e desfeita, e a mãe o segue em pensamento e orações. Nossa Senhora das Dores experimentou a saudade, a falta daqueles gestos cotidianos de presença e intimidade familiar, e experimentou o desassossego ao pensar nos perigos que cercam seu filho. Por isso, a ela recorrem mães e pais com seus filhos distantes ou ausentes, que fazem escolhas que expõem as próprias vidas.
Notícias preocupantes assolam Maria nos últimos tempos da vida de Jesus. Não ter o que fazer ante as situações excruciantes da vida é sofrimento que não se pode medir. Nossa Senhora das Dores sentiu e viveu tudo isso, por isso, ela recorre aos orantes que sofrem em silêncio, na espera de resolução.
Se, por um lado, a morte do cônjuge provoca a viuvez, a morte de um filho é inominável, na maioria dos idiomas, só no hebraico aparece um termo que tenta conceituar o estado dos pais em luto: Shëkhulåh, literalmente traduzimos como “desfilhado”. Nossa Senhora das Dores conheceu o conceito e a sua aplicação desta palavra! A morte de um filho aproxima os pais enlutados a Nossa Senhora das Dores, ela ilumina a experiência dos pais de doentes terminais, de filhos que terminam seus dias envoltos na dor, dos pais de filhos que morrem humilhados e proscritos.
Nossa Senhora fez a experiência das dores e, é para nós exemplo, não porque sofreu, mas, porque não sofreu sozinha, ao contrário, em seu sofrimento não abandonou a fé e a confiança na presença de Deus em sua vida. Sofrimento, por si só, não qualifica uma pessoa, mas a forma como ele é assumido, sim. Esta é a lição e o exemplo dado por Nossa Senhora das Dores.
A autora, Sonia Sirtoli Färber, é colaboradora desta revista, Tanatóloga e doutora em Teologia
Texto publicado na edição de setembro de 2022