Artigos › 21/11/2017

Rumo aos cem anos

As estatísticas indicam que as mulheres vivem, em média, de seis a oito anos a mais que os homens em quase todos os países do mundo e na maioria das culturas, independentemente das condições socioeconômicas e culturais a que estão expostas.

Os possíveis motivos de as mulheres alcançarem vidas mais longas podem ser encontrados em especificidades, principalmente quanto aos papéis e às contribuições socioculturais desenvolvidas durante a história da humanidade.

Entretanto, a existência de uma maior visibilidade e conscientização da mulher com o próprio envelhecimento não impede a comparação com a realidade do homem atual, considerando o aumento do número de centenários masculinos. As explicações para tal longevidade podem estar na comprovação de que eles ampliaram os sentidos existenciais e as motivações para viver após a aposentadoria, conforme pesquisa realizada e publicada no livro ‘‘O que os homens não pensam’’, de 2014.

Identificar e conhecer qual o sentido que cada um encontra para continuar sua jornada, projetando a segunda metade da existência, é um desafio enfrentado por nós, profissionais, para melhor entender e atender a essa população.

Através da observação, da pesquisa, da experiência com a clínica e de histórias que nos cercam, pode-se acompanhar a trajetória de pessoas que hoje estão rumando aos cem anos, com vitalidade e contribuições para seu meio familiar e social.

Uma dessas histórias é a de um longevo que faz parte da nova realidade de envelhecimento do século XXI. Carlos Cândido Finimundi, com 96 anos, é um empresário de Caxias do Sul (RS) que, embora aposentado, continua trabalhando na empresa que ele ajudou a fundar. Rumo ao centenário, com muita saúde e autonomia para decidir sobre sua vida, reúne experiências e relatos que encantam qualquer interessado em saber como chegar a idades tão avançadas com saúde e determinação. Neto de imigrantes italianos da rica Veneza dos anos de 1850 – 1860, em sua bagagem transgeracional carrega valores, costumes e compromissos com a vida que o diferenciam pelo vigor com que cumpre a jornada existencial a que se propôs.

Foi casado durante 75 anos, tendo enviuvado neste ano. Quando perguntaram como é manter um laço tão duradouro, referiu que viver tantos anos com a mesma mulher é estar quase acostumado e que, sem dúvidas, casaria de novo com a sua Éllide. Ela faleceu aos 98 anos. Tiveram seis filhos, dezesseis netos e onze bisnetos, que apreciam o modelo que o casal representa com orgulho, principalmente pela vida de luta e de perseverança na busca de conquistas simples, como trabalhar, ter uma família responsável, preparar os filhos para o futuro.

A busca de ideais que justifiquem o sentido da vida faz parte do comportamento saudável das pessoas conscientes de que, para alcançarem cem anos ou mais, é necessário a continuidade de motivos existenciais fortes e profundos. Como afirma Erikson (1998): “Sem um ideal culturalmente viável da velhice, a civilização realmente não consegue possuir um conceito de totalidade de vida”. Para ele, o indivíduo e a sociedade estão intrincadamente entrelaçados, dinamicamente inter-relacionados em contínuo intercâmbio.

E é desta forma que o Sr. Finimundi (como é conhecido) pensa: a pessoa deve ser consciente de seu papel no mundo, ter objetivos na vida e perseguir seus ideais. Acredita que o maior compromisso em sua vida, depois da família, foi o trabalho. Embora tendo iniciado como torneiro mecânico, ajudou a fundar a empresa Dambroz S/A, em 1945, da qual participa até hoje. Nos 72 anos em que se dedica à empresa descobriu capacidades como a criatividade, uma vez que todos os produtos que produziam passavam “pela cabeça dele”, como definiu. Hoje é o único sócio vivo e o mais antigo empresário, na ativa, em sua cidade Caxias do Sul. Diariamente, desloca-se para a empresa dirigindo seu Corolla 2001 (inteiro e muito bem conservado), com a certeza de que, ao cumprir o expediente integral, o seu exemplo será de suma importância aos funcionários, assim como para sua saúde física e psicológica.

Foi definido como um jovem persistente que acredita no Brasil. Em seu livro – O legado de um jovem de 94 anos, lançado em 2015, (escrito para contar sua história), atribui sua vitalidade e lucidez como conquistas possíveis para qualquer um. Para tanto, cita sete pontos que considera essenciais: construir uma família (isso possibilita transcender-se), manter-se saudável (boa alimentação e exercício físicos), trabalhar (contribuir e ser respeitado pela sociedade), tempo para o lazer (com qualidade), conhecimento (inteirar-se da modernidade), liderança (dar exemplos) e ética (fazer o que é correto para si e ao outro).

Sua vida não foi fácil, passou por muitas dificuldades e crises “num país como o nosso” afirma, “mas elas sempre foram vencidas”. Mesmo não tendo faculdade, conseguiu executar muitos projetos, embora reconheça a importância da tecnologia que hoje existe. No entanto, entende que três requisitos não mudaram e são fundamentais para a sociedade e para se conduzir uma empresa: a ordem, a disciplina e a hierarquia. A ordem possibilita a disciplina, esta ajuda a respeitar a hierarquia e vice-versa, a hierarquia ajuda no comando da empresa. “E assim é em tudo na vida”.

Para o psicanalista Viktor Frankl (1997), existe em todo o ser humano um desejo inato, uma vontade de encontrar um sentido para a vida, mais especificamente, a procura de um sentido para a própria existência, durante todo o ciclo vital. Sem isso, afirma ele, a existência se torna monótona, limitada e sem propósitos.

Na história do Sr. Finimundi, percebe-se que a motivação, o potencial que ele carrega dentro de si, foi e está sendo a força que o impulsiona em direção ao seu bem- estar no mundo. Caso contrário, no envelhecimento, as limitações do corpo, as perdas e as mudanças ocorridas poderiam vencer.  Ele busca o motivo, o afeto e o desejo para fundamentar sua existência, fortalecendo sua autoestima, com significados  para si e para as pessoas de suas relações.

Viver muito e ser feliz, portanto,  não é uma questão de gênero, uma vez que tanto os homens como as mulheres necessitam e almejam. É muito mais que isso: para que ocorra um envelhecimento saudável, tanto físico como emocional, é necessário que haja envolvimentos, como os que Finimundi defende, o de continuar amando o que faz, amando as pessoas e amando a si próprio.

Cada um pode construir essa busca de maneira diferente, uma vez que o sentido pessoal inclui valores subjetivos, propósitos, coerência com suas crenças e verdades íntimas, bem como metas escolhidas. O sentido pessoal que cada um irá encontrar dependerá dos valores e temas de vida criados, através da análise e das interpretações do que viveu e deseja viver.

Essa tem sido a receita do meu pai, mas, quem sabe, pode inspirar quem deseja ser um centenário.

 

Helena Finimundi Balbinotti

balb@terra.com.br

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