Leitura uma aventura essencial
Partilho aqui um pouquinho da experiência de quem tem proximidade com os livros, a leitura e os leitores, e que crê – apaixonadamente – que a literatura expande nossos sentidos, pois “quem mal lê: mal ouve, mal fala, mal vê”.
Não sou especialista em Literatura Infantojuvenil, mas trago a bagagem de alguns anos de vivência trabalhando diariamente em biblioteca escolar como mediador de leitura e contador de histórias. Interajo, principalmente, com alunos entre 06 e 09 anos; são públicos variados, indivíduos diferentes, com desafios parecidos, mas tenho como principal: incentivar o gosto pela leitura.
É sabido que a leitura, transformada em hábito, produz benefícios ao desenvolvimento humano em todas as etapas da vida. Porém tal habilidade não é inata, uma vez que não nascemos sabendo ler; é uma motivação externa e quanto mais cedo inserida, melhor. Acredito na importância da leitura desde a gestação, quando a audição do feto começa seu desenvolvimento e a escuta de uma voz cadenciada via ambiente intrauterino modelará seu cérebro de forma benéfica e vitalícia. A comunicação afetiva e repetitiva gerará estímulos que serão recordados pelo bebê mesmo após o parto. Nos três primeiros anos de vida fora do útero, o cérebro da criança está no auge de suas atividades, por isso sugiro que leia para a criança as mesmas histórias que contava quando na barriga, utilizando o mesmo ritmo e tom de voz, reforçando os sentimentos já nutridos e, agora, acrescentando estímulos visuais e táteis: o próprio livro aos olhos e nas mãos do futuro leitor.
A 1ª Lei da Biblioteconomia diz que “livros são para serem usados”. Dito isto, sou da opinião de que é possível introduzir em dois momentos o objeto livro na rotina da criança: um de leitura compartilhada e, outro, de seu uso como “brinquedo”. Crianças pequenas exploram o mundo com todos os cinco sentidos, por isso não me oponho a livros mais “resistentes” como os de pano, emborrachados ou acartonados. Geralmente são textos de qualidade literária não tão rica, mas para esta fase e o intuito de familiaridade com o livro, cumprem seu papel. Tudo bem se forem amassados, rasgados e até postos na boca; faz parte do conhecer e usar o livro. Uma vez que a criança tenha afeição pelo objeto, abre oportunidade para o aprendizado de como manuseá-lo melhor.
A leitura compartilhada é essencial na primeira infância (0 a 6 anos), é nesta fase que vigora a formação do pré-leitor. A leitura em voz alta, favorecendo as ilustrações, explicando palavras novas e usando entonação vocal – tanto para vozes de personagens, como para ressaltar emoções – agregam a bagagem cultural da criança, enriquecendo sua criatividade e imaginação, exercitando a memória, expandindo o vocabulário, preparando para o processo de alfabetização e melhor escrita das palavras. Lembrando sempre que a criança imita o adulto: os livros têm que estar na rotina da família toda.
Crianças menores têm preferência por histórias com personagens animais e ilustrações coloridas, seu imaginário está a todo vapor; também textos de repetição, os chamados livros cumulativos, como
A casa sonolenta, são sucesso garantido, pois permitem que elas participem da história relembrando as situações ocorridas a cada nova etapa apresentada. A leitura precisa cativar! Cativando, gera gosto; gerando gosto, cria hábito. Há dois anos, experimentei um novo livro com os pequenos: O Livro sem Figuras. Realmente não tem nenhuma ilustração, o que de início causou desconfiança. Mas a leitura lúdica, palavras diferentes e letras coloridas criaram ritmo, sintonia e muitas risadas. Até hoje, já maiorzinhos, eles ainda recordam e pedem pelo “livro que faz os adultos dizerem um montão de baboseiras”.
A partir da leitura, a criança se torna mais empática com seu próximo, visto que ao conhecer outros mundos e outras realidades, mesmo que fictícios, cria laços com personagens aos quais se identifica ou conhece e compreende outros pontos de vista. É preciso descobrir os gostos e necessidades da criança para oferecer histórias e conteúdos que sejam de seu interesse. Livros não precisam, necessariamente, ensinar lições, alguns são apenas para o deleite do leitor. E a maioria destes, ainda assim, despretensiosamente, carregam valiosos ensinamentos. Gosto, particularmente, do gênero Fantasia, que mesmo com monstros e feitiçarias, transbordam valores e virtudes em suas páginas. Chesterton dizia que “Contos de Fadas são pura verdade, não porque dizem que dragões existem, mas porque dizem que dragões podem ser derrotados”. É o Bem que vence o Mal! Na biblioteca temos livros de diversos assuntos, mas os de aventuras são os mais procurados. Há uma jornada a ser percorrida, semelhante à nossa vida, onde buscamos ser bons e fazer o certo. A leitura transporta e traz de volta, muda-nos, para que mudemos o nosso redor.
O autor, Guilherme Teixeira, é colaborador desta Revista e auxiliar de biblioteca em um colégio particular em Porto Alegre (RS), onde atua como contador de história e mediador de leituras.
Texto publicado na edição de setembro de 2021.