Redescoberta dos talentos
Cada amanhecer é um apelo vocacional, é uma nova proposta que sussurra no íntimo de cada ser chamando-o para o essencial: viver com os instrumentos que dispõe.
Ninguém está desprovido de instrumentos para realizar o seu chamado na jornada da vida, ao contrário, todos têm algo especial, só seu, que define não apenas as suas potencialidades, mas aponta para o espaço onde o mundo espera pela sua presença e atuação.
Enquanto a vida acontece em meio às urgências, projetos e tarefas, esses instrumentos podem ser deixados guardados, nem usados, sequer inaugurados, frustrando, desse modo, o apelo que resiste apontando para algo além dos limites diários de uma vida planejada na qual não cabe a consciência de sua pertença ativa no projeto do Reino de Deus. Entretanto, o apelo permanece, ainda que abafado, mas pulsa e, às vezes, incomoda.
Há quem perceba esta voz interior nos tenros anos de vida, há os que a percebem enquanto caminham na juventude e, muitos entram em contato com ela quando a vida está ameaçada. Seja qual for o momento vivencial em que se encontre ter acesso à consciência de que possui instrumentos para atuar em si e na coletividade para contribuir para o projeto que é anterior a si mesmo e que visa o bem, o bom e o belo, é como renascer. Redescobrir seu talento é dar longevidade ao sonho de Deus na própria vida.
Por pretensa humildade, é comum ouvir pessoas negarem que possuem talentos, mas, todos (e a palavra todos não prevê exceções) recebem de Deus ferramentas para a obra, sejam elas brilhantes e vistosas, ou discretas e sutis. E, todas têm uma função específica que só elas podem realizar.
Quando a provisoriedade da vida é escancarada, caem barreiras erguidas pela própria pessoa, a redescoberta de suas potencialidades dá novo fôlego e novo horizonte para a sua vida.
Mas, por que esperar situações-limite para dar uma chance aos seus talentos (cf. Mt 25,1-13)? Por que enterrar o tesouro como se ele não existisse? De posse de seus talentos as pessoas florescem e constroem um legado para os que vierem depois. As artes, a culinária, a jardinagem, o ensino, a contação de histórias, a ouvidoria, o cuidado… Inúmeros talentos a Igreja têm, cada indivíduo tem um que, posto à disposição, fecha o todo da vida em comunidade. Ser parte do todo dá sentido, horizonte e propósito à vida independente do tempo que tenha. E, sempre é tempo de redescobrir seu próprio talento.
Sonia Sirtoli Färber
A autora, colaboradora desta Revista,
é Tanatóloga e doutora em Teologia
clafarber@uol.com.br