Artigos, Evangelho › 06/08/2017

Transfiguração do Senhor

O SEU ROSTO FICOU RESPLANDECENTE COMO O SOL

Dn 7,9-10.13-14  |  Sl 96  |  2Pd 1,16-19  |  Mt 17,1-9

Branco  |  Ofício festivo

Neste domingo, a Igreja celebra a Festa da Transfiguração do Senhor. A liturgia da Palavra é fortemente marcada por uma linguagem apocalíptica, isto é, de revelação. Vem revelado, antes de tudo, que as breves experiências que vivemos no nosso dia a dia, sejam elas alegres ou tristes, não são pontos de chegada, mas motivos para retomar, com fé e determinação, o nosso peregrinar, com o olhar fixo em Jesus Cristo, centro e meta da nossa existência.

A primeira leitura apresenta um passo do livro de Daniel que, embora seja considerado entre os escritos proféticos, pertence, de fato, ao gênero literário apocalíptico. Este estilo literário se desenvolveu entre os anos de 350 a.C. e 150 d.C., período histórico que foi testemunha de dois grandes eventos: a revolta dos Macabeus, em fins do II século a.C., e a destruição do Templo de Jerusalém pelos romanos no ano 70 d.C., portanto em tempos de grande crise e tribulações (guerra, destruição, martírio). Germinada no mesmo campo em que cresceu a literatura profética, a apocalíptica é centrada na revelação dos mistérios e dos desígnios de Deus referente ao destino dos grandes impérios e ao desfecho final da história. No livro de Daniel, tal revelação emerge por meio de sonhos e visões reveladoras da vitória de Deus sobre os poderes tiranos deste mundo, porque somente a Deus pertence a plenitude do poder.

O passo litúrgico constitui uma visão noturna e se encontra colocado imediatamente após a visão das quatro bestas que subiam do mar (Dn 7,1-8), figuras representativas do poder temporal quando exercido e mantido sob o uso da violência e da intimidação. Em sua visão, Daniel contempla a história com o olhar de Deus e vê que, por mais fortes e opressores que sejam os impérios deste mundo, eles não prevalecerão para sempre. Ademais, além da sua provisoriedade, deverão prestar contas a Deus, o último juiz. No entanto, o poder de julgar é confiado ao “Filho do Homem”. Ele vem para estabelecer um Reino que triunfará sobre o poder das quatro bestas; um reino não baseado na opressão, no medo, no manter-se no poder a qualquer custo.

Certamente o leitor não terá dificuldades recordar que, em diversas ocasiões ao longo dos evangelhos, Jesus se serve da expressão “Filho do Homem” para falar de si mesmo na terceira pessoa como, por exemplo, em Mt 20,28: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate de muitos”. E em um passo do Evangelho de João se afirma que o “Filho do Homem desceu do céu para onde será elevado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna” (Jo 3,1-14).

Tais afirmações nos colocam no coração do Evangelho de hoje, que recorda o testemunho da transfiguração de Jesus no topo de um alto monte. Tal cena consiste na manifestação da glória do Filho de Deus e, ao mesmo tempo, na prefiguração da glória do Filho do Homem. O relato de Mateus começa com a expressão temporal “seis dias depois” que, embora omitida no passo litúrgico, assume uma função importante. Já vimos no segundo domingo da quaresma que tal expressão pode se referir ao anúncio da paixão ocorrido seis dias antes e, neste caso, nos recorda que a exaltação/glorificação de Jesus compreende também a cruz.

Sabemos, contudo, que na Bíblia os números assumem uma função simbólica importante no âmbito da reflexão sobre a vida e a natureza das coisas. Enquanto o número sete simboliza a plenitude, a perfeição que só existe em Deus, o número seis alude à cotidianidade, à provisoriedade e, portanto, à imperfeição humana. Nesta perspectiva, o evento da transfiguração de Jesus, depois do sexto dia, pode ser acolhido como o irromper da plenitude divina na existência humana, marcada pela experiência do limite, do transitório, do fugaz, mas destinada à plenitude da vida em Deus. A face transfigurada de Jesus ilumina e fecunda a existência de Pedro, de Tiago, de João e de toda a Igreja, porque consente em contemplar o destino de uma vida doada por amor, porque é a antecipação da ressurreição, a revelação da glória de Cristo e, portanto, um evento que prepara os discípulos para enfrentar o escândalo da cruz. Esse, por sua vez, não pode ser superado com determinação senão escutando a voz do Filho amado que é a plenitude da Lei (Moisés) e dos profetas (Elias). Pois é ele quem restitui, em todo o seu esplendor, o sentido das sagradas escrituras.

A segunda leitura retoma o evento da transfiguração e acrescenta uma estimulante pista de reflexão. Neste texto, Pedro recorda a imagem do rosto radiante de Jesus no Monte Santo e da voz de Deus vinda do céu, e de como isso o tornou mais firme na Palavra da profecia que antevê a vinda gloriosa de Jesus Cristo como o raiar de um novo dia. O autor do passo litúrgico, com a autoridade de testemunha ocular da transfiguração de Jesus, nos garante que a chave da fé e o acolhimento da Palavra como lâmpada que brilha em lugar escuro está no escutar a voz do Filho amado.

A mensagem que deveria permanecer no coração dos fiéis na festa da transfiguração é a de que não devemos ter medo da cruz. Ela é indispensável para entrar na glória. Ela representa uma vida dedicada ao serviço por amor. No caso de Cristo, a morte de cruz foi a plena manifestação do seu amor por nós. No nosso caso, carregar a cruz se trata de responder com fidelidade à missão à qual fomos chamados a realizar.

LEITURAS:

Semana anterior:

Ter. Ex 33,7-11; 34,5b-9.28 | Sl 102(103),6-13 (R/ 8a) | Mt 13,36-43. Qua. Ex 34,29-35 | Sl 98(99),5-7.9 (R/. cf. 9c) | Mt 13,44-46. Qui. Ex 40,16-21.34-38 | Sl 83(84),3-6a.8a.11 (R/. 2 | Mt 13,47-53. Sex. Lv 23,1,4-11.15-16.27.34b-37 | Sl 80(81), 3-6ab.10-11ab (R/. 2a) | Mt 13,54-58. Sáb. Lv 25.1.8-17 | Sl 66(67),2-3.5.7-8 (R/. 4) | Mt 14,1-12.

Leituras da semana:

Seg. Nm 11,4b-15 | Sl 80 (81),12-17 (R/. 2a) | Mt 14,13-21. Ter. Nm 12,1-13 | Sl 50(51),3-7.12-13 (R/. cf. 3a) | Mt 14,22-36. Qua. Nm 13,1-2.25-14,1.26-30.34-35 | Sl 105(106),6-7a.13-14.21-23 (R/. 4a) | Mt 15,21-28. Qui. 2Cor 9,6-10 | Sl 111(112), 1-2.5-9 (R/. 5a) | Jo 12,24-26. Sex. Dt 4,32-40 | Sl 76(77),12-16.21 (R/. cf. 12a) | Mt 16,24-28. Sáb. Dt 6,4-13 | Sl 17(18),2-4.47.51ab (R/. 2) | Mt 17,14-20.

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