A relação do sono com a idade e o humor
Existe certa tendência em relacionar as alterações do sono à idade e considerar normal as pessoas idosas apresentarem menos necessidade de dormir. Essa afirmação é verdadeira em parte, assim como o entendimento de que as alterações da memória e da cognição se devem ao fato de a pessoa envelhecer. Na atualidade, por exemplo, as dificuldades de memória não são mais consideradas um aspecto normal do envelhecimento por si só, e seu aparecimento merece avaliação e intervenção. Da mesma forma, o sono ruim não faz parte do envelhecimento, e sua ocorrência merece um diagnóstico cuidadoso, afirmam os estudiosos Thomas G. Neylan e Mary G de May (1999).
Seguindo essa analogia, sabe-se que a velocidade do processo de informação diminui com a idade, mas a capacidade de aprender novas informações ou de recuperar informações previamente codificadas permanece intacta. De forma semelhante, as alterações do sono que ocorrem com a idade afetam toda a profundidade e a extensão do período do sono, entretanto, em pessoas idosas mais saudáveis, permanece intacta a capacidade de dormir para restaurar a energia diária funcional.
Vários estudos mostram que quando houver alteração do sono devem ser levados em consideração alguns fatores que conspiram contra um dormir saudável, tais como transtornos biológicos, psicológicos e psicossociais, entre eles o isolamento, a aposentadoria não planejada que gera sentimentos de inutilidade, luto – principalmente do cônjuge, solidão, humor deprimido e outros.
Esses achados já foram comprovados por estudos longitudinais realizados com pessoas desde a juventude até o envelhecimento, que concluíram haver forte associação entre queixas de insônia e humor depressivo.
Para compreender essas relações entre a qualidade de vida emocional e o sono do adulto maduro, deve-se analisar o modelo de vida pregressa (quando jovens) e como estão vivendo o envelhecimento na atualidade.
Isso demanda considerar aspectos psicológicos e psicossociais que interferem na expectativa de envelhecer. Das muitas revoluções que ocorreram no último século, nenhuma foi tão significativa quanto à longevidade, uma vez que estamos vivendo em média 34 anos a mais do que nossos bisavós. Para esse novo período existencial, nossa cultura não se posicionou sobre o que significa ser um idoso e como vivenciar o processo de envelhecimento, e muitos adultos maduros não estão tomando para si a responsabilidade de planejar essa nova etapa da vida.
Segundo a artista Jane Fonda, em uma palestra proferida sobre o tema, essa etapa seria um “terceiro ato”, que inaugura um novo paradigma existencial para as três últimas décadas da vida, diferentemente do que se entendia, quando o viver era comparado a um arco, onde se nasce, atinge o auge na meia-idade e ocorre o declínio.
Para alguns estudiosos, o envelhecimento é compreendido como mais um estágio de desenvolvimento da vida, com significância própria, tão diferente da adultez jovem como da adolescência e da infância. Comparam esse período à subida de uma montanha ou escadaria que, mesmo diante dos desafios físicos devido às limitações do corpo, o espírito humano pode evoluir sempre em direção à ascensão, ao topo, onde reside a sabedoria, completude e autenticidade. Tais aquisições são resultantes do zelo e da responsabilização de cada pessoa sobre seu próprio bem-estar no mundo.
A respeito disso, existem estudos realizados pelos americanos Hapte-Garb e colaboradores (1991) que sugerem que o isolamento social e a privação de alguns direitos, como familiar e civis, podem contribuir para o rompimento de muitos aspectos da saúde, entre eles a função sono-vigília. Relatam que indivíduos mais velhos com qualidade de sono superior recebem mais apoio psicossocial e apresentam mais estabilidade na linha de base que avalia o comportamento de um idoso. Referem que, quando há queixas sobre o sono-vigília, a maior prevalência está relacionada não somente a transtornos médicos (como insuficiência cardíaca congestiva, doença pulmonar, artrite crônica, refluxo grastroesofágico, diabetes, entre outros), mas à falta de um sentido existencial e baixa autoestima, que dificulta os relacionamentos e leva a quadros de depressão maior.
O psiquiatra alemão Viktor Frankl, que passou cinco anos em um campo de concentração nazista, em seu livro chamado Em Busca de Sentido, escreveu: “Tudo o que você tem na vida pode ser tirado de você, exceto a liberdade de escolher como você responderá às situações. Isso é o que determina a sua qualidade de vida, não se é rico ou pobre, famoso ou anônimo, saudável ou sofredor. O que determina a sua qualidade de vida é como se relaciona com essas realidades e que tipo de significado atribui a elas”.
Portanto, o sono e o humor caminham juntos e se interdependem, uma vez que se a vida for visualizada em seu espectro positivo, em detrimento do negativo, além de ser mais leve, oportunizará mais prazer, mais ação e um merecido descanso reparador. Ao fazer escolhas maduras, seja otimista em vez de pessimista, tais ganhos não serão apenas para si, porque vão além de protagonizar a criação de um novo modelo cultural para esse “terceiro ato” da vida, servirão como um exemplo às gerações mais jovens, que devem planejar, desde cedo, como desejam viver a longevidade.