Artigos › 18/02/2025

Hospital sob o olhar de uma criança

Hospital é um ambiente intimidador, de modo especial para crianças e assim elas retratam.

Era de tarde e, eu sei, mas não porque me lembro das horas. Afinal, naquela idade o tempo passava de um jeito diferente, mais espaçado, dava pulos abocanhando meses. Do meu aniversário, tão esperado e que demorava tanto para chegar, saltava para a viagem da escola na semana das crianças. Em outras ocasiões se arrastava e era congelado parecendo que as férias nunca chegariam e que o dia de Natal não amanheceu. Eu sei que era de tarde porque o sol estava muito quente e, na janela do quarto, uma réstia fazia reflexo e irritava-me fazendo com que eu me movesse para escapar dela.

O lugar eu conhecia por fora, passava por lá quando ia à casa da minha avó. Mas, nunca tinha entrado. Foi estranho sentir o cheiro que lembrava os dias de faxina em casa, mas era mais forte e parecia que eu cheirava pela boca, porque sentia o gosto do cheiro. É assim que lembro.

Os corredores, mesmo sendo de dia, tinham luzes tão fortes que me faziam lembrar de minha mãe dizendo “apague a luz, ainda não escureceu!”. Iluminados, longos e largos eram aqueles corredores. Por ele passavam pessoas sérias que olhavam para mim como se perguntassem a si mesmas, o que eu fazia ali e, às vezes, sorriam com aqueles sorrisos que a enfermeira dá quando faço vacina.

No meu pensamento eu estava dentro de uma garrafa, afinal minha infância foi acompanhada pela série “Jeannie é um Gênio”, e, esta era a referência que eu tinha de um lugar em que os sons eram ouvidos de modo diferente que no resto do mundo. Naquele lugar havia pôsteres e pessoas pedindo silêncio, mas o silêncio fazia com que os sons ficassem muitos mais fortes, mesmo aqueles distantes. Sons metálicos como de talheres, passos e cadeiras sendo arrastadas, até o vento batendo nas persianas da janela tinha um som alto e intimidador. Eu caminhava olhando para os lados tentando entender o que ia acontecer.

Entramos em um quarto e na cama estava meu vovô. A cama parecia tão alta! Eu enxergava o mecanismo por baixo dela, e me chamou a atenção uma manivela, até achei engraçado pensando que fazia a cama andar pelo quarto. Na minha distração e pouca altura não consegui ver o vovô, então alguém me pegou no colo para dar um beijo nele. Foi estranho porque ele, tão grande como era, ferreiro e levantador de barras de ferro e baldes cheios de água, agora me pareceu pequeno, quase do meu tamanho. Como o vovô podia estar tão pequeno? Ele parecia estar com muito sono e todos ao redor falavam baixinho. Foi a última vez que eu o vi. Eu não sabia que seria, disse tchau e voltamos para os corredores e, enquanto caminhava eu pensava: Então, isso que é um hospital?…

 

Sonia Sirtoli Färber

Tanatóloga e doutora em Teologia.

clafarber@uol.com.br

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