Artigos › 27/12/2021

Eu vejo você

Eu vejo você

Foi na trilha das narrativas do amor romântico que segui as pegadas do amor sem Fim, do amor gratuito e da essência vital do verdadeiro amor, respigando sua marca na história do povo de Deus.

 

Na história de amor ”Love Story”, de encontros e desencontros dos personagens Jenny e Oliver, a radicalidade do afeto, nos diálogos do filme, é expressa pela frase “Eu vejo você”. No filme “Avatar” a forma de dizer “te amo” é “Eu vejo você”. Ver, notar, enxergar, perceber…, são verbos que remetem à noção de ter o outro diante de si, de compreender a realidade na qual o outro está imerso e, especialmente, estar unido a ele nesta situação. Esta união é verdadeira mesmo que não seja temporal ou espacial, pois é do amor transcender. O amor é, está e vive com o ser amado independente do tempo e do local, pois, o amor transborda e envolve os amados.

 

Vivemos, liturgicamente, a espera pela vinda do Messias. Vivemos, histórica e pessoalmente, a certeza que Ele veio, está e vem na vida cotidiana.

O advento do Natal é o tempo propício para revisitar a nossa história e perceber Deus nos dizendo “Eu vejo você”.

Quando os dias são comuns e seguem o ritmo manso, calculado e sem imprevistos a percepção de estar sendo visto por Deus é envolvida pela energia de ser capaz de seguir e de realizar o que se tem planejado. No tempo de alegrias, de sucesso e de encontros que reafirmam o bem-estar, o conforto a saúde e o amor, a percepção de ser iluminado pela visão de Deus é forte e produz reconhecimento da Sua presença e ação. Mas, é nos dias de exceção, de sofrimento e de luto que mais se suplica pelo olhar de Deus sobre nós. E, é nestas condições que encontramos Deus dizendo “Eu vejo você”. Ele mesmo afirma “eu vi a miséria do meu povo” (Ex 3,7). “Deus viu minha aflição e minha fadiga” (Gn 31,42), “viu a condição dos filhos de Israel e a levou em consideração” (Ex 2,25), “viu a aflição de Israel” (2Rs 14, 6).

Na Bíblia, o “ver” de Deus não é um sentido, mas uma ação; é uma visão ativa, ou seja, quando é apresentado “Deus que vê” quer dizer que Deus age em função do que vê. Desta forma, surgem as profecias messiânicas no séc XVIII a.C. (Is 7,14), como resposta divina ao sofrimento da humanidade.

Jesus é o “Eu vejo você” encarnado!

Os evangelistas narram que Jesus “vê” as pessoas ao longo de sua vida: as multidões e se compadece delas (Mc 6,34; 9,25; Mt 5,1; 14,14; Jo 6,5), os doentes (Mt 8,14; Jo 5,6; 9,1), as famílias enlutadas (Mt 9,23; Jo 11,33; Lc 7,13), os discípulos (Mt 4,18.21; 9,9; Mc 1,16.19; 2,14; 6,48, Jo 1,47). Mas, Jesus vê, também, o doutorda Lei (Mc 12,34), o cobrador de impostos (Lc 5,27), as pessoas ricas e pobres (Lc 21,1-2), a cidade (Lc 19,41) e as barcas paradas na margem (Lc 5,2), e, de forma especial, Jesus vê Sua mãe (Jo 19,26).

Nenhuma pessoa ou situação, nada nem ninguém passa despercebido a Deus que vê, que ama e que salva. Esta é a verdade que celebramos no Natal. Cada Natal é a celebração do amor de Deus que é declarado na simplicidade e na radicalidade do dia a dia e que pede de nós, como presente a ser distribuído a todos, ver o outro.

Neste Natal diga, de coração, “eu vejo você”!

 

A autora, Sonia Sirtoli Färber, é colaboradora desta revista, Tanatóloga e doutora em Teologia

Texto publicado na edição de dezembro de 2021

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