Tempo de crer, viver e amar
Nem sempre estamos tranquilos, bem-humorados e cordiais. Dar-se conta do que nos tira do nosso equilíbrio e o que promove o melhor de nós é uma descoberta que pode auxiliar muito a termos uma vida mais plena.
Sou natural de Porto Alegre (RS) e isso me causa uma certa ambivalência. Por um lado, tenho críticas em relação a minha cidade natal, mas ao mesmo tempo, morro de amores por ela. Lembro que na minha adolescência eu sonhava em morar em uma praia do Nordeste, com clima ameno o ano inteiro, ou em um dos tantos lugares de intensa beleza natural que nosso país tem, como o Rio de Janeiro, por exemplo. No entanto, a vida foi passando e fui me dando conta de que minha missão e meu lugar era por aqui mesmo. O lado bom é que aqui tive o privilégio de conhecer pessoas extraordinárias e que me ajudaram a me tornar quem eu sou. Em outros lugares eu certamente também encontraria pessoas maravilhosas, mas hoje não troco meus amigos e amigas por ninguém.
Além disso, a capital gaúcha tem uma efervescente vida cultural. Basta ver a quantidade de livrarias, sebos, espetáculos artísticos e eventos esportivos que por aqui acontecem. Não temos grandes belezas naturais, é certo, mas nem todos podem se dar ao luxo de viver em um cartão-postal.
Entre os meus conterrâneos, eu gostaria de destacar um: Moacyr Scliar (1937-2011). Nascido em Porto Alegre, ele se tornou médico e escritor. É autor de mais de setenta livros, além de ter escrito crônicas por mais de duas décadas em um jornal de grande circulação.
Sua produção literária era bem variada, incluindo contos, romances, novelas e crônicas. Seu texto era de tanta qualidade e leveza que foi reconhecido tanto no Brasil como fora dele.
Scliar ganhou, entre outros prêmios, o Jabuti, em três ocasiões (1988, 1993 e 2009), o Casa de las Américas (1989) e entrou para a Academia Brasileira de Letras em 2003.
BRIGA DE CASAL
Das suas inúmeras crônicas, quero lembrar duas que foram baseadas em fatos reais. Uma delas contava a história de um casal europeu que vivia brigando. Quase não havia um dia em que não ocorresse uma discussão entre eles, e daquelas pesadas.
Para esquecerem das brigas, tanto o marido quanto a mulher se refugiavam na internet. Cada um criou um perfil fictício em busca de flertes virtuais, por mera distração. Logicamente que um não sabia da atividade do outro.
Com o passar do tempo, tanto o marido quanto a esposa encontraram alguém que parecia ser muito especial. Cada um sentia que estava vivendo um autêntico amor platônico, pois finalmente tinham encontrado a alma gêmea de suas vidas.
O tempo foi passando e eles gastavam cada vez mais tempo na internet, deslumbrados com as qualidades do amor virtual. Muitas afinidades iam aflorando a cada conversa online! Até que um dia, tiveram a ideia de marcarem um encontro ao vivo, cada qual com sua respectiva alma gêmea.
Imaginem o susto que levaram ao descobrirem que o grande amor virtual que tanto os fizeram sonhar era, nada mais nada menos, do que a própria pessoa com quem viviam às turras! Marido e mulher se paqueravam na internet sem saber que era com quem brigavam diariamente!
Como era possível terem vidas tão diferentes na realidade e na virtualidade? Por que não conseguiam mostrar seu lado afetivo, compreensivo, romântico e sensível na vida real?
Infelizmente, o casal acabou se separando, mas a história deles faz refletir sobre todos os tipos de relacionamentos. Será que estamos conseguindo mostrar o melhor de nós para as pessoas que amamos e convivemos?
CARTÃO ATRASADO
Outra história real trazida por Scliar foi a de um antigo cartão de Natal. Ele foi postado por uma senhora norte-americana em 23 de dezembro de 1914, mas se extraviou. Por incrível que pareça, esse cartão ficou perdido por 93 anos!
Quando o cartão finalmente foi recuperado e entregue, tanto a remetente quanto a destinatária já haviam morrido. Quem recebeu o cartão foi o filho da destinatária. Tratava-se de um homem de 70 anos, solitário e amargurado.
Ele era filho único, vivia só com sua mãe e cuidara dela até o fim. Ele a escutava contar muitas histórias, sendo que uma delas era uma espécie de confissão. Ela, quando jovem e solteira, tinha se apaixonado por um primo, mas a família foi contra o romance. Esse primo acabou se mudando e eles perderam contato. Ela acabou se casando com um homem que não amava, mas que a família considerava um bom partido. Durante toda a sua vida, embora tenha criado seu filho com muito amor, essa mãe viveu com um certo olhar de tristeza, de amargura, pela saudade infinita de seu amor que desaparecera.
O cartão recebido era típico de Natal, com um Papai Noel e uma criança sorrindo. No entanto, quando o filho abriu o cartão viu que, na verdade, nele estava escrito uma mensagem romântica destinada a sua mãe. “Eu te amo”, dizia o cartão, e o remetente era justamente o primo que havia se perdido da história dela.
Ele, um solitário que iria passar o Natal sozinho, ficou se perguntando sobre o que teria acontecido se o cartão tivesse chegado na época certa. Sem mais pensar, decidiu sair para a rua, ao encontro de novas pessoas que o fizessem viver uma vida de verdade.
PARA PENSAR
Voltando para nossa época, constatamos que já estamos novamente chegando ao final de mais um ano. O Natal, essa festa tão preciosa e aguardada por todos os cristãos, se aproxima. Inevitavelmente também é uma época de intensas reflexões.
Com bases nessas duas crônicas de Moacyr Scliar podemos também pensar sobre nossas vidas e novas reflexões surgem.
Quem realmente faz aflorar o melhor de nós no nosso cotidiano? Será que realmente conseguimos revelar aos outros os nossos melhores aspectos ou só tratamos bem os que estão longe e vemos ocasionalmente?
Quanto à história do cartão atrasado, fico pensando: que mensagem gostaríamos de ter recebido ao longo da vida? Que mensagem eu gostaria de ter enviado e nunca o fiz? Que nossas palavras de afeto não ditas nunca sufoquem nossa alegria em relação à vida!
Por fim, que essa época em que se recorda esse grande acontecimento do nascimento de Jesus Cristo nos torne mais humanos. Não precisamos ser perfeitos, pois ninguém o é, mas que sejamos cada dia mais afetivos, humildes, compreensivos, solidários e pacienciosos. Enfim, que nunca nos falte amor para dar e receber!
Feliz e abençoado Natal a todos!
Carlos Alberto Veit