Artigos › 10/08/2018

Palavras que curam

Por Carlos Alberto Veit

Dia 27 de agosto é o Dia do Psicólogo no Brasil, pois foi nessa data, em 1962, que essa profissão foi regulamentada em nosso país. A Psicologia nos alerta para a grande importância das palavras, da forma de ouvir e falar. O modo como evoluiu o tratamento dos distúrbios mentais nos dá uma amostra sobre isso.

Até o final do século XIX, as pessoas acometidas de transtornos mentais tinham poucas esperanças de uma mudança para melhor em suas vidas, muito pelo contrário. Geralmente elas eram encaminhadas para uma instituição pública que, na realidade, funcionava como um verdadeiro depósito de pessoas indesejadas pela sociedade. Havia uma grande probabilidade de elas ficarem lá para o restante da vida, vivendo em condições desumanas.

Esse tipo de tratamento acontecia em todo mundo, inclusive no nosso país. Basta lembrar aquilo que é conhecido como o Holocausto Brasileiro, ocorrido no manicômio de Barbacena, Minas Gerais. Lá ocorreu um tipo de genocídio em que 60 mil pessoas morreram entre 1903 e 1980. Até alguns corpos eram vendidos.

A instituição era chamada de Colônia e funciona até hoje, mas o período da barbárie já passou. Há um livro escrito por Daniela Arbex, chamado Holocausto Brasileiro (Geração Editorial, 2013), que conta em pormenores essa triste passagem da nossa história.

A MUDANÇA

A maior preocupação das equipes de saúde até então era simplesmente diagnosticar o que as pessoas tinham e depois deixá-las à mercê de tratamentos pouco úteis. Entre eles, estava o banho frio, o magnetizador, o girar de uma cadeira para deixar a pessoas tonta, e até acorrentá-la nos casos mais graves.

Tudo começou a mudar com o médico francês Philippe Pinel (1745-1826), considerado o pai da psiquiatria mundial. Pinel foi o primeiro na medicina a considerar que as pessoas com transtornos mentais eram simplesmente doentes (e não endemoniados ou algo assim), devendo ser tratadas com consideração e respeito, e não da forma violenta como costumavam ser atendidas.

Nascido no interior da França, Pinel chegou a Paris em 1778, já formado em medicina. Ele escreveu um livro chamado “O tratamento médico-filosófico em alienados mentais”, que revolucionou o tratamento psiquiátrico.

Nessa obra, ele defendia práticas humanitárias com os doentes mentais, fazendo com que não fossem mais acorrentados e acabando com outros tratamentos inúteis como sangria e purgações. Ele também escrevia em jornais e revistas, de modo que suas ideias foram muito divulgadas no meio acadêmico da época.

Pinel chegou ao cargo de diretor do famoso Hospício de Salpêtriere, em Paris, onde mais tarde outros grandes nomes da psiquiatria viriam a estudar e trabalhar. Esse hospício funciona até hoje, mas atualmente é um hospital-geral.

Resta dizer que Pinel se baseava no pai da medicina, Hipócrates (460-370 a.C.), que foi outro gênio adiante do seu tempo. No mundo inteiro existem clinicas e hospitais com o nome de Pinel, de modo a homenagear esse grande médico e humanista.

DISCÍPULOS

Outro grande nome nessa área de crítica aos tratamentos mentais que existiam foi o filósofo francês Michel Foucalt (1926-1984). Ele foi autor de vários livros, como A história da loucura, em que denunciava a internação compulsória e o tratamento desumano dados a pacientes com distúrbios mentais.

Retornando à época em que Salpêtriere era um hospício, lá iremos encontrar Jean Martin Charcot (1825-1893). Ele era médico psiquiatra, neurologista e um pesquisador no campo dos distúrbios mentais femininos.

Cabe lembrar que a histeria era quase uma epidemia na área da saúde pública, pois havia milhares de mulheres internadas no hospício de Salpêtriere.

A palavra histeria vem do grego e quer dizer útero. Achava-se que era uma doença física e que só acometia as mulheres. Charcot foi o primeiro a estudar os sintomas da histeria sob o ponto de vista emocional.

O que ele usava era a hipnose para fazer desaparecer os sintomas de suas pacientes, mostrando que a causa de tremores, paralisias e até de cegueiras não era física, e sim mental.

Pode-se dizer que Charcot descobriu que as ideias e as palavras poderiam causar doenças, o que deu origem à psicossomática, e que a sugestão hipnótica poderia minimizar os efeitos dos distúrbios mentais.

Não é necessário dizer que o trabalho de Charcot causou muita polêmica e atraiu muitos estudiosos a Paris. Um de seus alunos mais famosos foi um jovem médico, Sigmund Freud (1856-1939), que lá estagiou por um ano, em 1885. O próprio Freud diria mais tarde que as ideias de Charcot fizeram com que ele redirecionasse todo seu trabalho, percebendo que as doenças podem ter uma causa emocional.

Ao voltar para Viena, depois de estudar em Paris, Freud vai conhecer Josef Breuer (1842-1925), um médico que já usava a hipnose e que trazia uma grande novidade: ele pedia que as pacientes falassem sobre as suas lembranças e sentimentos, e isso as aliviava muito em seus sintomas.

Pode-se dizer que foi Breuer que criou a assim chamada “cura pela palavra”, que seria a base da psicoterapia. Freud e Breuer vão publicar juntos o livro “Estudos sobre a histeria”, em 1895, que vai ser o início da Psicanálise.

EVOLUÇÃO

Muito já se evoluiu desde os primórdios da psicoterapia. Jacques Lacan (1901-1981), por exemplo, que foi um psicanalista francês, dizia que doenças são palavras não ditas.

Embora os avanços da psicologia e psiquiatria, ainda se constata que há muitas pessoas querendo falar sobre seus sentimentos e poucas pessoas dispostas a ouvir. Rubem Alves (1933-2014) bem salientava que nos dias de hoje há muitos cursos de oratória e poucos de “escutatória”!

Não se pode negar também que houve um grande avanço na área de psicofarmacologia, mas nem tudo pode ou deve ser tratado com medicação.

Para todos os que trabalham como agentes de pastoral é importante dar-se conta de que saber escutar é um aprendizado, uma forma de caridade e que pode ajudar muitas pessoas a se acalmarem, conhecerem-se melhor e se voltarem cada vez mais para Deus, a verdadeira fonte de toda paz!

Será que estamos abrindo espaço em nossas rotinas diárias para acolher os irmãos que estão mergulhados na solidão de quem não é compreendido? Pensem nisso…. e até o próximo artigo.

 

 

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