Notícias › 06/12/2018

Os melhores amigos

As pessoas cruzam o nosso caminho. E nós, o delas. Costumo achar que não é à toa. E que assim como é preciso “estar atento e forte (porque) não temos tempo de temer a morte” (como diz Caetano Veloso, na letra de Divino Maravilhoso) também é preciso ter “olhos firmes” para reconhecer o efeito, o que nos afeta, o afeto.

Eu sempre precisei de amigos! Eles são uma espécie de margem. Você atravessa uma tempestade e eles estão lá. Você navega em um lago cristalino ou nas águas da calmaria, e eles estão lá. Você precisa se reconstruir inteiro depois de um quase afogamento, e eles estão lá. Isso não é pouco! Isso não é com qualquer um! Isso é coisa de amigo!

Nem sempre é fácil reconhecê-lo. Construir uma amizade leva tempo. Aliás, até podemos reconhecer que algumas pessoas têm um enorme potencial para serem nossos amigos de verdade, mas a cumplicidade, o respeito mútuo, a admiração, a prontidão, a disponibilidade são construções temporais. E morosas. Mas é porque essa também é uma construção amorosa. E amor também é convívio (o que não quer dizer viver grudado!). Também é troca e equilíbrio.

“O que é o amor, onde vai dar, luar perdido em mim” (diz Danilo Caymmi, na letra da canção “O que é o amor”). Eu fico pensando nesse luar que ilumina, que poetiza, que afeta o ciclo das águas e das marés… E quando ele deságua em mim…é um oceano inteiro que se abre, se levanta, se torna navegável. Amigo é assim, um mar para a gente navegar! Uma onda para a gente escutar com a mesma emoção de quando aproximamos o ouvido de uma concha marinha, querendo ouvir os segredos do mar. Amigos repartem segredos. E transbordam.

Mas nem sempre falamos a mesma língua! Amigos também discordam, se arrependem, desaconselham, argumentam, se afastam para tomar distância e ar, discutem, perdoam. Aqui está o ponto talvez mais importante! Porque cada um é de um jeito tudo pode ser reversível e passível de reavaliação. Perdoar é o atestado de nobreza numa amizade. Compreender os motivos, as impossibilidades, se colocar no lugar do outro, aceitar a diferença – outro elemento fundamental entre amigos (e até entre os que não são amigos, é claro!).

Mas há coisas que são inegociáveis, não acham? Caráter, por exemplo. A camaradagem entre companheiros é sempre uma maneira de dizer: estamos juntos, de algum modo, mesmo que haja distância física e mesmo que o tempo corra apressado. Muitas vezes são os olhos que falam. Outras vezes o próprio silêncio. Mas a palavra, dita ou não, salpica de paixão o desejo do encontro: amigos querem a distância apenas de um abraço.

Dezembro, pra mim, tem sempre essa atmosfera de celebração da amizade. Independentemente da festa religiosa que embala a ideia de Natal, nessa época, creio que se encher de fé no outro, confere a ele o poder de participar da nossa vida como um salvador, um pai celestial, que acolhe porque tem como perspectiva o bem maior. Que me salva, porque me livra do egoísmo de viver só pra mim. É nesse mundo que eu quero viver, cercado de amigos! Com predomínio da alegria. Meu maior presente é ser amigo dos meus amigos!

E pra completar esse papo bonito, quero indicar o livro “O irmão do meu irmão” (de Cristina Villaça, com ilustrações de Rafa Anton, para a Editora Zit), uma história moderna, que toca no assunto das novas constituições familiares, para mostrar como uma relação de amizade pode começar, inclusive, com uma aversão, e até mesmo, com uma rejeição. Num primeiro contato você pode não gostar da pessoa e depois ela pode até se tornar a sua melhor amiga. Mas uma amizade precisa de atos e de demonstrações. Por isso, a Duda e o Hugo (filho que a Diana já tinha quando se casou com o pai da Duda), vão, sem sentir, construindo um laço forte, sem obrigações, mas com companheirismo, conversas sobre tudo o que há no mundo, observação conjunta dos fenômenos da natureza (uma lagarta, uma teia de aranha com um desenho incrível), ou simplesmente se juntam, para não fazerem nada além de olhar o céu. O mais legal é que a história fala de famílias enormes e fala do Natal como uma festa em que as pessoas se reúnem para ficarem felizes juntas. Eu adorei! Adorei também as ilustrações, em que o grafite, as manchas de aquarela e o uso esmaecido das cores dão o toque de leveza do livro. Tudo simples e ao mesmo tempo alegre e mágico, como um melhor amigo dever ser, inclusive, para saber explorar a poesia do viver, com diversão e risadas, até mesmo na pronúncia de palavras estaladas e musicais, como “Panapaná”. O que será? Pega o livro pra ajudar a decifrar. Ah! E que a sua lista de amigos seja adequada à sua capacidade de se repartir também. Feliz Natal, cercado de amigos, é claro!

Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e responsável pela formação de inúmeros grupos de contadores de histórias espalhados pelo país.

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