Notícias › 21/08/2019

O caminho mais difícil

Ele me fazia brincar de aviãozinho, e lá ia eu, de um lado para outro, como se estivesse mesmo no céu! Ele me colocava nos galhos das árvores e eu ficava paradinha, bem obediente, para poder tirar uma foto. Lembro de ele contar histórias antes de eu dormir, algumas, aliás, que eu morria de medo, e ele dava risada!

Fui crescendo e continuava olhando para cima pra falar com ele, e caramba, ele ainda era um gigante pra mim! A voz, grave, me enchia de carinho e de respeito. Nunca precisava repetir a mesma ordem, eu (e meus irmãos) já entendíamos rapidinho. Quando eu abraçava o entorno da sua barriga saliente, ele achava uma graça que eu não conseguia unir as duas mãos na volta da circunferência. Mas eu adorava aquele barrigão, que tantas vezes serviu de travesseiro para eu dormir olhando TV.

Lembro que ele viajava bastante naquela época da minha infância, mas também recordo, com muito carinho, que ele me presenteava com brinquinhos de sol, de nuvem, de lua, e dizia que era para eu olhar pra cima sempre que eu quisesse lembrar dele, que ele estaria pensando em mim. Eu não tinha noção da simbologia daqueles presentes no auge dos meus cinco, seis anos, mas hoje encho meus olhos de lágrimas em pensar o tanto de amor que vinha rodeado deste gesto, na maneira simples e única que ele inventava para ficar pertinho de mim. Quantas vezes ele deve ter se culpado por essa distância, e eu nem imaginava tudo o que se passava por trás daquele homem grande de coração igual!

Aprendi a andar de bicicleta com ele, a empinar pipa, a colher fruta do pomar lá do sítio. Aprendi a tratar os outros com educação, a falar “bom dia”, “obrigada” e “com licença”, a apertar a mão com força quando cumprimento alguém, a não ter medo do escuro. Aprendi a amar as viagens, a gostar do desconhecido, a me virar em situações adversas.

Aprendi muita coisa com ele, mas a infância não dura pra sempre, e os anos foram passando, logo chegou a adolescência. E assim, sem pedir licença, sem avisar nada, sem nenhum manual de como lidar, de herói, ele virou quase um vilão. Bem clichê mesmo.

Começou a dar pitaco na forma que eu me vestia, nas amigas que eu tinha, nas viagens que eu queria fazer com a turma. Recebi muitos “nãos” sem saber o porquê, muitas caras fechadas sem explicação, muitas frases curtas e verticalizadas. Não nos entendíamos, mas ele exigia respeito, e eu tinha que acatar. Distanciamo-nos um pouco. Ele, no mundo dos adultos; e eu no meu mundo dos adolescentes.

Não foi um período fácil, mas aos poucos, muito aos poucos, fui começando a entender determinadas atitudes. Quando saí de casa (já supertarde), ele me ajudou em tudo, tudo mesmo, e desde então sempre que eu preciso de um favor ou de outro, sempre que eu preciso que ele fique em casa pra receber o cara da NET ou o cara que vai consertar o chuveiro, ou para receber a geladeira, o fogão, o sofá, pra levar o carro pra oficina, para pagar uma conta no banco, sempre, sempre, sempre posso contar com ele.

Agora que vou ser mãe, entendo aquele período complicado que tivemos, entendo as broncas, as discussões e aquele monte de negativas que ele me deu. Entendo os limites que ele colocou, e os mil conselhos que ouvi repetidas vezes. Entendo o conteúdo de tudo o que ele disse. E cada vez que olho para o lado e vejo pais muito permissivos, que não sabem dizer ”não”, que não sabem orientar, que acham que devem permitir tudo porque afinal os filhos são manhosos, que dão um celular para o filho passar o tempo, que terceirizam a educação para os avós, as babás, os professores, vejo o quanto todos estão errados, e o quanto ele escolheu o caminho mais difícil.

Sim, porque é mais difícil educar do que liberar, é mais difícil colocar limites do que dizer somente “sim”, é mais difícil ensinar a comer do que dar na boca, é mais difícil brincar do que deixar o filho assistindo televisão, é mais difícil exigir boas notas do que se contentar com a prova de recuperação, é mais difícil explicar o valor do dinheiro do que comprar tudo o que o filho pede, é mais difícil dar uma bronca quando o filho foi malcriado do que fingir que não viu pra não se incomodar, é mais difícil ir buscar nas festas do que dar dinheiro pra voltar a hora que quiser com quem quiser, é mais difícil aconselhar do que não dizer nada.

Que bom que você escolheu o caminho mais difícil. Sei que demorou, mas hoje posso reconhecer isso tudo e te agradecer com todo meu coração. Muito, mas muito obrigada, pai! Feliz teu dia!

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