Artigos › 22/06/2021

O ano em que o mundo acordou de um sonho

No início de 2020, precisamente no mês de março, a humanidade acordou de um longo sonho, o de poder ir e vir espontaneamente. A liberdade foi sendo limitada através de decretos contendo uma série de medidas de como a população deveria se comportar. Não se sabia claramente o que estava acontecendo, apenas que uma epidemia havia iniciado em outros países, mas a sua magnitude só foi compreendida após meses, quando um grande número de pessoas foi contaminado e muitas vieram a óbito.

O mundo inteiro, aos poucos, assistia a Terra parar e chorar.

A principal arma para se proteger seria o afastamento social e, paradoxalmente, palavras como amor e compaixão adquiriram um poder maior do que as armas bélicas para vencer o ataque invisível de um novo vírus, o Corona.

O sonho de liberdade, paz e segurança conquistado após a segunda grande guerra mundial se tornaria o pior dos pesadelos e, para derrotar o inimigo, seria uma arma muito simples: manter-se isolado, usar máscara e álcool gel.

Para muitos, o preço da reclusão e do isolamento social, incluindo o afastamento dos familiares, tem sido pior do que poderiam prever, principalmente para os idosos, que percebem as medidas impostas tão letais psicologicamente, como as ameaças de perseguições e mortes que ocorreram durante a guerra.

Embora o comportamento de grande parte da sociedade esteja mudando, graças ao empenho, conscientização e colaboração das pessoas de bem, principalmente com as crianças e seus idosos, sabe-se que para vencer essa pandemia é necessário um envolvimento ainda maior de todos os segmentos da sociedade civil e autoridades.

Nessa nova realidade, os desabafos dos pacientes adultos maduros é de que perderem o que haviam conquistado, como o direito e a liberdade para escolherem o que fazer, dos projetos como ginástica, reuniões de grupos, a psicoterapia e outros mais. Lamentam o quanto isso tem repercutido em funções psicológicas importantes, pois se sentem inseguros para sair, apresentam mais lapsos de memória, desatenção e outras disfunções.

Muitos comentam que olham o mundo apenas pela janela há mais de um ano. Percebem as mudanças que estão ocorrendo. Os espaços públicos mais vazios e as cidades mais limpas e silenciosas, sendo até possível ouvir o canto dos passarinhos. E isso devolve a esperança, pois acreditam que a vacinação os libertará para ao menos abraçar seus familiares.

Quanto aos jovens, o lamento é a perda de emprego, de um número significativo de empresas e negócios que fecharam, arrastando a economia para uma situação preocupante.

Quando possível, muitos trabalham em home office, outros desempregados inventam alternativas para ganhar o sustento e assumem a responsabilidade pela educação dos filhos (orientada através de plataformas digitais). As festas, os aniversários, tão esperados pelas famílias, agora só podem ser comemorados com poucos membros e sem a presença de amigos.

Além de todas essas restrições de liberdade, tão valiosas para a vida, existe o lamento de não poder velar a morte dos entes queridos, restando apenas o luto para lembrar quem partiu.

Entretanto, nesse ano em que o mundo parou não houveram só perdas, mas também ganhos importantes.

Primeiramente, aprendeu-se a buscar na fé, o conforto e a proteção nos momentos difíceis. Muitas correntes de orações foram acontecendo e as palavras de apoio oferecidas àqueles que tiveram familiares doentes ou perdas, foi a de que “estamos rezando, tenham fé e força”.

Aprendeu-se a expressar a gratidão e o reconhecimento aos esforços dos profissionais da saúde, que empenhados nas linhas de frente, diuturnamente se deparam com a morte e a impotência de um sistema de saúde que há muito tempo assinalava a incapacidade de enfrentar a demanda, até mesmo para as situações cotidianas.

Aprendeu-se que o lugar onde se mora tem mais sentido, porque, além de morada, virou abrigo.

Aprendeu-se a restringir as compras de alimentos, de supérfluos e outros, assim como respeitar os espaços comuns, isto é, todos cuidando de todos.

Aprendeu-se o valor da liberdade, da tolerância e da compaixão.

Aprendeu-se como é importante um abraço.

Aprendeu-se que existe força, quando se carrega o amor e não o ódio, e que todos um dia morrerão, porém sem a fé desaparece a esperança e sem os sonhos não existe um futuro para acreditar.

Aprendeu-se que se deve olhar para essa quarentena como um tempo de incubação e renascer para o que verdadeiramente tem sentido, que é a vida com liberdade.

Por isso, o importante é retomar o essencial e aprender, a partir do dia em que a Terra parou, que o ser humano em todas as idades, é vulnerável, frágil e precisa de cuidados, mas principalmente de afetos para se sentir forte.

Como refere Aldous Huxley: “Existe um só lugar no Universo em que alguém sempre pode mudar algo, e esse lugar é em si mesmo”.

A autora, Helena Finimundi Balbinotti, é colaboradora desta Revista e Psicóloga clínica. Especialista em Psicogerontologia.

Texto publicado na edição de junho de 2021.

Deixe o seu comentário





* campos obrigatórios.