Notícias › 10/10/2019

Adoção e amor gratuito

As duas datas que gostaria de relembrar são: o Dia da Criança (como não poderia deixar de ser), que coincide com o de Nossa Senhora Aparecida, e o dia de Santa Teresinha de Lisieux (ou da Rosas, ou do Menino Jesus). Não vinculo essas duas datas apenas porque adoro crianças e sou devota de Santa Teresinha. As vinculo por achar que as duas datas se comunicam, por trazerem consigo dois conceitos muito lindos: o amor e a inocência.

Santa Teresinha, em sua breve vida, fez a linda promessa de lançar uma chuva de rosas sobre a Terra, quando não mais aqui estivesse. Quem conhece um pouco de sua história sabe que ela não é de fazer promessas falsas, tanto que presenteia corações afetuosos e crentes com lindas rosas, em resposta a um apelo, por meio de sua novena. Seu exemplo e compromisso com o amor gratuito a Cristo é um sentimento digno da sua santidade. Mas isso porque ela acreditava que o amor de Cristo também era. Ela sabia que ele sempre estaria lá. Isso estava garantido pelo amor gratuito que Cristo consubstanciou com sua morte na cruz. Ela não foi uma santa de grandes obras, mas foi de grande, devoto, gratuito e incansável amor. Ela era capaz de viver o amor pelo simples fato de ele existir. Amava, e ponto. Isso a fazia feliz, e ponto. Sabia de sua frágil saúde, mas nem por isso deixou de acreditar no amor que era capaz de dar e de receber de Cristo, o que a levou à santidade.

 

Mas o que isso tem a ver com o Dia das Crianças? Tudo. Crianças são serezinhos imensamente capazes de amar e de despertar a capacidade do outro de amar, ainda que haja quem os machuque e que, com isso, desenvolvam um medo do amor que os encapsula. São tão capazes de amar quanto de tentar se proteger do amor, quando muito feridas. Com essa ideia de despertar para o amor e para o medo dele, falemos da adoção e algumas nuances talvez não tão conhecidas.

Uma criança, para ser posta em adoção, precisa passar por um processo de destituição familiar, no qual são ouvidos os pais, inúmeras testemunhas, equipes de apoio multidisciplinares, redes de atendimento que acompanham a família fora da instituição “tribunal”. Durante esse processo todos os recursos de manutenção do pátrio poder são dados às famílias. Não se quer tirar uma criança de seu seio familiar porque tem muita gente por aí querendo adotar. O que se quer é proteger e garantir que, não havendo a capacidade de exercício de uma ascendência responsável, será dado o direito da criança de ser construída dentro de ambiente saudável.

 

Inevitável a questão: uma instituição dá mais condições que uma família de formar um cidadão? Acreditem, por vezes, sim. No entanto, com a destituição, a criança já tendo uma certa consciência, ela sente o primeiro golpe brutal de rejeição. E sabemos o quanto é difícil ser rejeitado. Quando um amigo nos troca por outro (especialmente quando somos crianças ou adolescentes), quando a menina ou o rapaz da escola não olha pra gente, quando nosso irmão mais velho parece que não tá nem aí pra gente, quando nossa mãe não presta atenção ao nosso caderno, quando não recebemos os parabéns por algo que é muito importante pra gente. De tudo isso nasce o sentimento de rejeição. Ser rejeitado é muito complicado e, por vezes, nos encapsula também. Mas somos adultos, temos que saber o que fazer com isso. A criança ou o adolescente demanda um pouco mais de cuidado.

Mas qual a relação entre rejeição, amor, inocência da criança e adoção? Destituídos do poder, a criança ou adolescente está apta para ser adotada. Por vezes isso acontece quando esses protegidos estão com dois dias de vida, por vezes aos dois anos, aos dez, aos quinze, enfim. O que poucas pessoas sabem é que a partir dos doze anos (quando a criança passa para a adolescência), ainda que o momento de seu acolhimento tenha se dado há muito tempo (e por muito tempo quero dizer muito tempo mesmo, às vezes até dez anos), a criança tem o direito de escolher se quer ou não ser adotada. Cabe aqui lembrar um artigo que escrevi no mês de novembro de 2018 sobre o programa família acolhedora, que é uma realidade, infelizmente, de poucas comarcas no Brasil.

Chama-se adoção tardia quando um protegido (como é chamado nos juízos da infância) é posto em adoção com uma idade não tão procurada. Existe um processo de habilitação para adoção a ser observado e alguns formulários precisam ser preenchidos. Neles, o pretendente à adoção escolhe o tipo de criança que está disposto a adotar. Por óbvio que a maioria procura bebês. Eles são livres de traumas e, geralmente, de doenças. Mas isso não é propriamente uma novidade.

 

Pode soar meio estranho, mas as crianças sabem que não são cobiçadas para adoção depois de certo tempo. Agregue-se a isso o fato de já terem sido rejeitadas por seus pais biológicos. E também de terem se desenvolvido em termos de valores e educação de forma institucionalizada (seja por abrigos ou famílias acolhedoras), tendo que prestar conta de seus sentimentos ao Juízo a cada seis meses.

É proteção, e é ótimo que se tenha. Mas é impessoal. É institucional. Alguns protegidos conseguem sentir-se mais protegidos que acuados, mas a grande maioria fica com medo do amor, ou melhor, de amar e ser rejeitada novamente, por isso não desejam ir para adoção.

A inocência da infância é substituída pelo medo da rejeição. A necessidade de afeto é substituída pela segurança e provisoriedade de se estar onde se está. O amor não se faz por si só, como em Santa Teresinha, pois a experiência da não correspondência veio primeiro. Ser capaz de amar não é apenas um dom, é um exercício de coragem. Se um adulto não se arrisca a amar uma criança/adolescente apenas porque ele tem traumas, porque deveria uma criança ter coragem de amar um adulto que também os têm? Ao pensarmos em paternidade/maternidade e adoção, pensemos no amor à exemplo de Cristo e Santa Teresinha e lembremos da nossa inocência e necessidades da infância e adolescência. Muito há a se falar sobre o assunto, mas as linhas acabaram por ora.

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