Felicidade: mitos e realidade
Por Carlos Alberto Veit
A cada início de ano renovam-se as esperanças de termos não só uma vida melhor, mas também um mundo mais humano e menos desigual. Sonhamos com a tal felicidade, mas será que temos claro o que ela significa?
Há um tempo na vida humana em que a felicidade parece ser uma companheira do cotidiano. Esse tempo é a infância. Uma infância feliz é o alicerce para uma vida bem estruturada, pois fortalecemos nossa autoestima, sentimo-nos amados pelos pais e familiares, quase tudo é novidade e renovamos nossos sonhos constantemente. Além disso, nossas responsabilidades são pequenas e todos os nossos problemas parecem ser resolvidos pelos adultos que nos cercam.
O único defeito dessa fase é que geralmente não nos damos conta do quanto somos felizes, até porque não vivemos ainda outras etapas da vida para fazermos a comparação. À medida que crescemos, percebemos que temos que começar a resolver nossos problemas e tomar nossas decisões.
O QUE NÃO É
Antes de procurarmos definir felicidade, vamos limpar esse conceito procurando ter claro, em dez itens, o que ela não é.
- Nascer em berço de ouro. Pode ajudar no transcorrer da vida, é claro, mas não é garantia de felicidade. A forma como vai ser conduzida essa abundância material pode até prejudicar a pessoa. Quem recebe tudo pronto pode se acomodar e não ir adquirindo a força necessária para conquistar seus objetivos.
- Ter muita beleza. A procura pela beleza move fortunas no mundo inteiro. Salões de beleza, cosméticos, cirurgias plásticas, academias e tantos outros recursos são procurados para aumentar a beleza. Beleza é uma forma de poder, de se sentir bem consigo mesmo, mas não é garantia de felicidade. Existem muitas pessoas lindas e muito inseguras, pois sabem que a beleza é transitória e que podem estar agrando só pelo exterior.
- Ter muito poder. Quem ocupa altos cargos, seja em que instituição for, tem a falsa impressão de que será eternamente assim. Engano. Os cargos passam, o poder pode diminuir e a autoestima despencar. Ninguém é insubstituível.
- Estar cercado de pessoas. Tem muita gente que não aguenta a própria companhia, então procura fugir da solidão estando sempre ocupado com reuniões, festas…um tarefismo que denota a falta de paz interior. Quem está bem consigo mesmo pode ser feliz acompanhado ou sozinho.
- Ter muito conhecimento. O conhecimento é bom se estiver a serviço da sabedoria, e essa vem da procura por Deus. Só conhecimento pode levar alguém a se tornar mais inteligente, mas quem disse que a inteligência é garantia de felicidade? Como bem está escrito no Eclesiastes (1:18), “quem aumenta a ciência, aumenta a dor”.
- Poder comprar tudo que quiser. Já pensaram na sensação de ter uma Ferrari na garagem? Ou uma casa na praia, outra na serra e uma mansão em uma cidade aprazível? Enfim, sonhos consumistas nunca faltaram para as pessoas, mas mesmo quando eles são alcançados, também não garantiram a felicidade. Basta ver que quase um milhão de pessoas se mata anualmente no mundo e grande parte delas é constituída por pessoas ricas.
- Não pode ser comparada. Cada pessoa pode vivenciar um sentimento de felicidade completamente diferente da outra. Para alguns, pouca coisa basta. Por exemplo: quem se recuperou de uma doença grave, o simples fato de ter saúde já pode ser a felicidade tão sonhada.
- Ela não vem de fora. Uma pessoa pode estar coberta de ouro e ser motivo de inveja de muitos por tudo que representa ou possui, mas se ela mesmo não se sente satisfeita, de nada adianta.
- Ela nem sempre tem o mesmo nível de intensidade. A felicidade não é algo que seja constante todos os dias. Mesmo as pessoas felizes têm seus altos e baixos ao longo dos dias ou dos meses. Não se pode exigir felicidade plena sempre.
- Ela não cai pronta do céu. Ninguém espere ser feliz sem fazer esforço. A felicidade só é conquistada pelos corajosos e pelos determinados a alcançá-la. Ela requer um certo esforço e determinação constantes.
PISTAS
Depois de termos refletido sobre o que não é felicidade, tratemos de entender o que ela é. Para tanto, devemos pensar em resgatar o propósito da nossa vida. De onde viemos? Para onde queremos ir depois da passagem por esta vida?
Para quem tem fé, parece simples reconhecer que todo o ser humano é fruto do amor de Deus. Dele viemos e para Ele queremos retornar para estarmos em sua companhia na plenitude da vida eterna.
Sendo assim, nunca devemos nos esquecer que temos uma missão na vida. Essa missão é primordialmente espiritual. Tudo o que vai além, como as gratificações psicológicas e materiais, devem estar dirigidas ao princípio maior da salvação eterna.
Mesmo pensadores não cristãos, como Aristóteles – considerado o pai da ciência – já entendia que o ser humano só se realiza pela prática da virtude. Nunca devemos abrir mão da reflexão e de fazer o bem.
Com o advento do Cristianismo, essa noção de felicidade ficou ainda mais clara. O evangelista Marcos já lança uma pergunta que nos faz refletir profundamente: “De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (8,36).
Outra evidência que deve estar bem forte em nossa vida é que não somos apenas um a mais para Deus. Passagens das Escrituras Sagradas nos confirmam isso. “Com amor eterno eu te amei” (Jr 31,3). “Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais” (Lc 12, 7).
Sendo assim, devemos saber que nossa vida não é em vão. Deus têm uma missão para cada um de nós. Todos podem contribuir de alguma forma para um mundo melhor. O que temos que fazer é descobrir qual é o sentido da nossa vida.
Além de descobri-lo, temos que tratar de iniciar a realizá-lo. Quando pautamos nossas ações pelo sentido, então sim, nos sentiremos bem, com aquela sensação de estarmos cumprindo nosso dever.
A felicidade é aquele estado de que nossa vida não está passando em vão. A realização da nossa missão é o prato principal, enquanto sentir-se feliz é a sobremesa, a consequência de vivermos orientados pela fé e pela certeza de que Deus nos ama.
Todas as demais características da vida, tais como conquistas materiais, beleza e relacionamentos afetivos, são complementares e passageiros. Não devemos esquecer as palavras da grande mística Santa Tereza D’Ávila: “Nada te perturbe, nada te espante. Tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta!”
Com essas sábias palavras eu encerro meu artigo e desejo a todos os nossos queridos leitores um feliz e abençoado Ano Novo!