Faça o melhor que puder e aceite o que vier
“O destino conduz os dispostos e arrasta os relutantes”.
(Sêneca)
A xícara de café caiu e despedaçou-se. O produto que comprei não chegou no dia combinado. A pizza que encomendei chegou fria. O táxi chegou atrasado. O meu filho não fez a tarefa que pedi. O almoço não ficou pronto no horário que eu esperava. Os exemplos ainda poderiam se multiplicar.
A nossa vida é marcada por uma infinidade de situações que estão em desacordo com os nossos desejos e expectativas. Todavia, como reajo àquilo que não posso controlar e que não saiu como eu esperava e desejava? Choro, esbravejo, esperneio, grito, luto contra essas situações?
“Aceite que dói menos”
O filósofo grego Epicteto recomenda o seguinte: “Não busques que os acontecimentos aconteçam como queres, mas quer que aconteçam como acontecem, e tua vida terá um curso sereno”. Essa lição não sugere conformismo e apatia, mas inteligência para perceber que o mundo não busca responder aos nossos desejos, caprichos, expectativas, metas e projetos. Quando entendemos que o mundo não se comporta como nós desejamos, compreendemos que precisamos aceitar as coisas como elas acontecem, caso queiramos ser felizes e livres.
Se buscarmos resistir à realidade, imaginando que as coisas estão contra nós, só vamos colher sofrimento e tristeza, comprometendo assim a nossa tranquilidade e serenidade. Não devemos desejar que as coisas sejam diferentes do modo como aconteceram, e sim aceitá-las ou amá-las tais como se sucederam. “Aceite que dói menos”, como diz a sabedoria popular. Nas palavras do filósofo francês Comte-Sponville: “aceitar o que não depende de nós é algo que depende inteiramente de nós”.
Focar no que depende de nós
Para Epicteto, o sábio é aquele que deseja o que pode ser satisfeito. Faz somente o que pode fazer. Desafia só o que pode vencer e acolhe tudo aquilo que chega até ele. Além disso, age de acordo com uma cláusula de reserva, isto é, vou fazer isto ou aquilo se nada me impedir. Tem consciência que aquilo que ele quer fazer pode não dar certo. O que ele espera pode não chegar. Assim, o sábio espera o menos possível para querer o máximo possível, ou seja, ele quer
somente aquilo sobre o qual tem controle. O ser humano virtuoso está preparado para acolher a realidade tal como ela é, fazendo com que sua vontade comungue com a vontade da realidade. O filósofo Montaigne ensina que “não podendo governar os acontecimentos, eu me governo, e se eles não se adaptam a mim, eu me adapto a eles”.
Todavia, ao aceitar as coisas como elas se apresentam, não significa que o indivíduo vai deixar de agir ou aceitar o mundo como um fatalismo radical guiado por uma vontade alheia. O que se recomenda é concentrar a força e a energia onde podemos modificar, transformar, fazer diferente. Gastar energia e recursos com uma realidade que foge da nossa escolha e do nosso controle, é similar a sacrificar um animal que já está morto. Devemos focar no que depende de nós, o resto precisamos acolher como algo que acontece para nós como aprendizado, e não contra nós como punição.
A metáfora dos cavalos
Para ilustrar o que estamos dizendo, vamos tomar uma metáfora. Imagine uma carroça sendo puxada por dois cavalos. O primeiro cavalo, relincha, pula, se agita inconformado por estar amarrado à carroça. As cicatrizes e feridas revelam a sua jornada de resistência e de sofrimento. O segundo cavalo, por sua vez, observa os acontecimentos, a beleza das paisagens e a estética cinzenta de lugares inóspitos. Ele se adequa ao ritmo e às paradas da carroça sob a chuva torrencial e o sol escaldante sem pestanejar, sabendo que isso é tudo o que ele pode fazer naquele momento. Ele tem consciência que está atrelado à carroça e faz tudo o que é possível, apesar de tal condição.
A metáfora dos cavalos nos ensina que o cavalo pode desfrutar do seu trabalho e correr suavemente à frente da carroça, ou pode resistir enquanto vai sendo impelido de qualquer jeito. Parece que essa também é a nossa condição humana. Portanto, pouco importa o que está acontecendo ao nosso redor, faça sempre o melhor que puder “e aceite o resto como vier”.
Itamar Luís Gelain
O autor, colaborador desta Revista, é Licenciado em
Filosofia pela Faculdade Palotina (FAPAS). Mestre em
Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Doutor em Filosofia pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC)