Artigos › 08/05/2024

A piedade da mãe enlutada

Quando a emoção pessoal é compartilhada com toda a humanidade, a arte dá voz e expressão tornando-a universal.

 

Há dores que não tem nome. Que substantivo algum consegue abarcar a complexidade, intensidade e extensão deste sofrimento. Assim é o sofrimento pela morte injusta e imposta. Assim é o sofrimento pela morte que não recebe empatia e consolo.

Assim é o sofrimento pela morte de um filho.

Michelangelo Buonarroti, em 1497, conseguiu em sua obra “Pietà”, retratar as emoções que envolvem este momento, fazendo com que a dor pessoal de Maria expresse o episódio doloroso da despedida de todas as mães anônimas que recebem seus filhos mortos.

O olhar de Maria é, ao mesmo tempo, o olhar da tristeza mais profunda de uma mãe para filho, que, assim o é, por ser a antítese do primeiro olhar que ela deu ao seu quando este nasceu: um olhar cheio de promessas, de futuro feliz e longevo. Receber o filho morto torna aquele olhar um projetor por onde passam todas as imagens vividas e compartilhadas (o nascimento, os primeiros passos, as primeiras palavras balbuciadas…). Segurando o corpo do filho lembra-se dos abraços; das caminhadas de mãos dadas; da ajuda dada e recebida na lida e na vida. Mas, por outro lado, o olhar de Maria, na Pietà, é cheio de confiança e de gratidão. Confiança no futuro, no reencontro, na superação da morte e do luto. Gratidão por tudo que agora faz falta, pois se sente falta só do que foi bom, de quem fez a vida ser feliz, das experiências que foram significativas e que deram sentido à vida.

Na obra de Michelangelo, o corpo do Filho resume os corpos dos filhos mortos por violência, por doença, por traumatismo, por acidentes, por tudo que tira o brilho dos seus olhares. A Pietà é um poema escrito em mármore que deixa a interpretação para quem o lê e contempla, mas, de forma explícita, passa a mensagem da multiplicidade das reações frente à morte: sofrimento e paz se encontram no coração daqueles que têm fé, enquanto vivenciam os eventos limites da vida humana.

 

Sonia Sirtoli Färber

A autora, colaboradora desta Revista, é Tanatóloga e doutora em Teologia

clafarber@uol.com.br

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