Artigos › 30/09/2024

Vitrais sob o olhar do luto

Pensar na terminalidade, enfrentar o limite da existência e fazer dessa realidade a nossa oração pode ser exigente e difícil. Os meios apropriados para fazer do momento existencial a sua oração são as linguagens da arte. Esta meditação é facilitada pela expressão artística dos vitrais que iluminam, colorem e dão forma ao motivo de nossa oração no ambiente silencioso e sagrado da igreja.

Os vitrais desde tempos antigos são utilizados para acompanhar o orante em sua contemplação da presença de Deus na história da salvação, que acontece na história humana e nas realidades da vida individual e cotidiana.

A Igreja de São José, em Detroit, nos Estados Unidos, é reconhecida como patrimônio nacional e está no Registro Nacional de Lugares Históricos, desde o ano de 1972, por causa de seus vitrais confeccionados de forma ímpar e rebuscada. Um dos vitrais tem como tema a morte, ou trânsito, de São José na presença de Jesus e de Maria junto ao seu leito. A serenidade de São José no momento da morte, captada pela expressão artística do autor dos vitrais, vem ao encontro da esperança cristã de no momento derradeiro estar amparado por Jesus e Maria.

Ainda que nos evangelhos não seja apresentada a morte de São José, existem narrativas artísticas de várias formas como esculturas, pinturas, mosaicos e vitrais.

Alguns dos Pontífices, de modo especial, os Papas Pio IX, Leão XIII e Bento XV, apresentam-no como padroeiro dos moribundos e, por ter morrido nos braços de Jesus e Maria, São José é invocado como o patrono da boa morte. E, assim, a Igreja reza na novena de São José em sua oração para o 9º dia: “Ditoso São José que, morrendo nos braços de Jesus e Maria, partistes deste mundo ornado de virtudes e enriquecido de méritos: Assisti-me na hora suprema e decisiva da minha vida contra os ataques do poder infernal. Obtende-me a graça de morrer confortado com os santos Sacramentos, necessários para a minha salvação. Tendo compaixão de todos os agonizantes, alcançando-lhes a graça da salvação por intermédio de Maria, vossa Santíssima Esposa. Amém. Rogai por nós, São José, Padroeiro dos Moribundos”.

O Papa Leão XIII ainda recomenda que rezem a oração a São José pedindo de proteção para uma boa morte: “A vós, São José, recorremos em nossa tribulação e, depois de ter implorado o auxílio de vossa santíssima Esposa, cheios de confiança, solicitamos também o vosso patrocínio. (…) Amparai a cada um de nós com o vosso constante patrocínio a fim de que, a vosso exemplo e sustentados com o vosso auxílio, possamos viver virtuosamente, morrer piedosamente, e obter no Céu a eterna bem-aventurança. Amém”.

São José experimentou na vida e na morte o que os cristãos almejam vislumbrar na vida futura: a presença de Jesus e Maria!  A morte de São José, em condição ímpar, reafirma a esperança cristã da vida plena na ressurreição dos mortos. Aquele que é a ressurreição, Jesus, acompanhou São José em seu trânsito, por isso, nem a morte nem o cemitério devem ser vistos sob o enfoque do fracasso e da ruptura, mas da certeza escatológica de que a vida vence.

A beleza e arte presentes nos espaços litúrgicos não são e não podem ser interpretados meramente como adornos, “a beleza salvará o mundo”, afirma Dostoiévski e, esta frase foi assumida pelo Papa Bento XVI, na encíclica Spe Salvi, que trata da esperança cristã na vida a partir da morte. Toda arte e, nesta reflexão, os vitrais em uma igreja são elementos que nos ajudam a meditar, a rezar e a entender que toda luta, sofrimento ou luto que é possível o ser humano viver, Deus conhece, acolhe e se faz presente consolando.

 

Sonia Sirtoli Färber

A autora, colaboradora desta Revista, é Tanatóloga e doutora em Teologia

clafarber@uol.com.br

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