Artigos › 20/02/2024

A OCASIÃO NÃO FAZ O LADRÃO

“O homem é o único […] que pode  sentir-se expulso do paraíso”.

Erich Fromm

 

 

 

Segundo o filósofo francês, Jean-Paul Sartre, nós humanos estamos condenados à liberdade, isto é, programados para ser livres, sem jamais poder renunciar a essa condição. Não somos livres para escolher ser livres, mas determinados a ser livres. Mesmo quando não queremos escolher, já estamos escolhendo em não escolher. Não tem escapatória.

O ser humano é um ser em situação, isto é, inserido em determinadas circunstâncias. Mas não são as circunstâncias que determinam a sua conduta. O ser humano não age irresistivelmente a partir de uma força externa. Por exemplo, se tomarmos a tão repetida frase, a ocasião faz o ladrão, perceberemos que essa expressão carrega um determinismo inaceitável. A expressão quer nos convencer que é a ocasião que faz o ladrão. Na verdade, essa frase está equivocada, como bem observou Machado de Assis. A ocasião não faz o ladrão, apenas dá condições para que ele possa escolher sê-lo ou não. Em outras palavras, é a escolha que faz o ladrão.

 

O homem é um animal angustiado

Escolher não é uma tarefa fácil, pois a escolha pressupõe dilemas, encruzilhadas e um cardápio variado e amplo. Escolher significa, nesse caso, descartar uma série de possibilidades que estavam dadas no menu de oportunidades.

O que devemos escolher? Qual caminho tomar? No final das contas, sempre precisaremos indicar a nossa escolha. É natural que escolher cause angústia. O filósofo dinamarquês, Søren Kierkegaard, alerta que se “um humano fosse um animal ou um anjo, não poderia angustiar-se. Dado que ele é uma síntese, pode angustiar-se, e quanto mais profundamente se angustia, tanto maior é o ser humano”. Angústia e liberdade são duas faces de uma mesma moeda. Escolher pressupõe angustiar-se. Ou melhor, a escolha, como exercício da liberdade, vem precedida pela angústia, a qual se caracteriza como uma espécie de sofrimento, indecisão, tormento etc.

Para ilustrar esse ponto, vamos realizar um breve relato de Sartre. Certa vez, um jovem perguntou-lhe se deveria ir para a guerra vingar a morte de seu irmão ou ficar e cuidar da sua mãe. E a resposta de Sartre foi a de que não existe uma regra, um valor, um parâmetro absoluto por meio do qual ele decida acertadamente o que deve fazer diante de tal situação. O jovem é livre e terá que hierarquizar seus valores, ou seja, terá que decidir se é mais importante ficar com a mãe ou vingar a morte do seu irmão. Ele escolherá e será prisioneiro desta escolha. A liberdade deixa-nos reféns da escolha e esta deixa-nos compromissados obrigatoriamente com a responsabilidade.

 

Nem tudo podemos escolher

Por mais que a condição humana seja a condição de ser livre, de estar programada a ser livre, nem tudo podemos escolher. Não escolhemos nosso corpo, nossa família, nossos irmãos, nossa classe social, nossos talentos, nossas características genéticas etc. Precisamos partir de uma determinada resignação com aquilo que recebemos, pois o mais importante parece não ser o fato de termos nascido assim ou assado, mas o que vamos fazer com isso. Podemos acovardar-nos diante da existência ou podemos fazer algo com aquilo que recebemos, por mais que seja pouco. Isso também será uma escolha. Levar uma vida sem brilho e sem entusiasmo é uma escolha; lutar com ardor por nossas causas é uma escolha; apequenar-se diante da vida é uma escolha; contentar-se com pouco é uma escolha; resignar-se consigo mesmo e com o mundo é uma escolha.

Como bem observou o filósofo espanhol, Fernando Savater, “não somos livres para escolher o que nos acontece […] mas livres para responder ao que nos acontece de um ou outro modo”. Portanto, não carregamos nem a determinação absoluta, a qual é própria dos animais, e nem a liberdade onipotente, atributo dos deuses, mas uma liberdade humana que nos dá a possibilidade de nos projetar no mundo e construir o nosso destino assim como desejarmos, apesar das determinações e dos condicionamentos previamente impostos. Enfim, a liberdade é nossa “dádiva e nossa maldição”.

ITAMAR LUÍS GELAIN

O autor, colaborador desta Revista, é doutor em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor no Centro
Universitário – Católica de Santa Catarina (CATÓLICASC).
itamarluis@gmail.com

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