Um juiz sob a tutela de Deus
Em 09 de maio de 2021, na catedral de Agrigento, Itália, a Igreja proclamou beato o juiz Rosario Livatino enquanto “mártir pelo ódio à fé”. A celebração Eucarística foi presidida pelo Cardeal Prefeito da Congregação para a Causa dos Santos, Dom Marcello Semeraro.
O beato Rosario Livatino recebeu a toga com apenas 26 anos de idade, em 18 de julho de 1978, e nesse dia escreveu em sua agenda: “Que Deus me acompanhe e me ajude a respeitar o juramento (para receber a toga de juiz) e comportar-me conforme a educação que os meus pais me transmitiram”. Ele conservava sobre sua escrivaninha os códigos da legislação italiana, o Evangelho e o terço.
O juiz Rosario Livatino, em 21 de setembro de 1990, foi assassinado enquanto dirigia o seu carro no caminho para o Tribunal de Canicatti, Itália. Dois homens fizeram sete disparos, foram presos e um deles, Gaetano Puzzangaro, arrependeu-se do crime e testemunhou na causa de beatificação do magistrado. Segundo Puzzangaro, o juiz disse antes de morrer: “jovens, que vos fiz eu?”. Na realidade, não foram palavras de ódio, mas um convite à conversão, semelhante àquelas palavras da liturgia da Sexta-Feira Santa: “Povo meu, que te fiz eu?”
O Papa João Paulo II, após um encontro com os pais do Magistrado, em 09 de maio de 1993, definiu o filho deles como “mártir pela justiça”, e o Papa Francisco, no mesmo dia da beatificação, durante a oração do meio-dia no domingo, chamada oração de Regina Coeli, disse: “mártir da justiça e da fé. No seu serviço à comunidade como juiz íntegro, que nunca se deixou corromper, esforçou-se por julgar não para condenar, mas para redimir. O seu trabalho ele sempre o colocou sob a proteção de Deus; por esta razão tornou-se testemunha do Evangelho até à morte heroica”.
Os testemunhos sobre sua atuação como juiz são convergentes em afirmar o grande respeito que havia pelo ser humano. Quando tinha uma audiência com um criminoso, ele se levantava e o cumprimentava. Foi visto rezando ao lado de um cadáver de um chefe de máfia no necrotério. Para o juiz Rosario Livatino, após a morte, ninguém vai perguntar se fomos crentes, mas críveis. Dizia-se que ele era irredutível e não cedia à corrupção porque era um católico praticante e associado à Ação Católica.
Em sua atuação como juiz, o beato Livatino confiscou bens de mafiosos, descobriu o organograma da máfia de Agrigento e sua ligação com empresas e políticos locais e nacionais. Sabia do risco para sua vida deste enfrentamento e rezava com essas palavras: “que o Senhor me proteja e evite qualquer coisa má aos meus pais”. Ele vivia com os pais e, constantemente, escrevia três letras iniciais de uma frase latina em todas as suas agendas: STD (Sub Tutela Dei), Sob a tutela de Deus.
O cardeal Semararo, numa entrevista ao jornal Avvenire em 09 de maio de 2021, disse que a plena coerência entre a fé cristã e a vida do juiz Rosario Livatino se deu na esfera pessoal e social, levando seus adversários à única possibilidade que lhes restou: assassinar o juiz para assassinar um cristão. Por isso, Livatino foi um mártir da justiça e da fé.
Os seus perseguidores, continua o Cardeal Semeraro, “odiavam o Cristo, explicitamente reconhecido e desprezado na incorruptível conduta do juiz que era chamado de santo”. Livatino era consciente do ódio de seus perseguidores, mas manteve a serenidade e o seu trabalho cotidiano, conservando a fé em Deus com um testemunho de vida através da administração fiel e competente da justiça.
O beato Rosario Livatino testemunhou as verdades da fé católica como fiel leigo e, ao mesmo tempo, a verdade da doutrina social da Igreja que manifesta sua credibilidade no testemunho das obras, antes mesmo que na sua coerência lógica. A vida do juiz de Canicatti foi o Evangelho vivo, não foi um discurso. Sua credibilidade e sua força para não se deixar corromper nos mostram que o Espírito Santo atua nos corações e dá a virtude da fortaleza para resistir ao mal e fazer o bem.
O autor, Padre Denilson Geraldo, colaborador desta revista, é membro do Conselho geral da SAC e Doutor em Direito Canônico.
Texto publicado na edição de julho de 2021.