Artigos › 05/08/2022

Toda vocação é uma profecia

Toda vocação é uma profecia

 

 

É bastante difundida, no mundo cristão, a ideia de ‘vocação’ como ‘mistério entre Deus e as pessoas’. Um dom que ousa previr à existência: “antes mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci, antes que saísses do seio, eu te consagrei” (Jr 1,5).

 

No entanto, não se pode compreender que alguém chamado por Deus a uma forma de vida específica não gere uma transformação e uma abertura de novos horizontes no meio em que vive: “eu te constituo, hoje […] para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar (Jr 1,10). A vocação compreende, não só uma escolha mística e insondável de Deus, mas a resposta pessoal ao mandato concreto a sermos ‘profetas’.

Longe de se enquadrar como ‘vidência, adivinhação ou futurismo’, o profetismo, em suas raízes judaico-cristãs, implica uma vida rigorosamente encarnada no presente histórico. É um ministério que surge especialmente no contexto de crise humanitária, social e cultural, para anunciar o projeto de Deus, denunciar os projetos de injustiça e testemunhar, com a própria existência, a possibilidade de uma ‘nova vida’. Pode-se dizer, seguramente, que cada pessoa já é uma profecia de vida, justiça e liberdade realizada por Deus antes mesmo das formas específicas, culturais e religiosas, de vocação – como o ministério ordenado, a vida matrimonial ou a vida consagrada.

 

Ser profeta hoje

Ser profeta é a estrutura existencial de toda vocação, pois o cristão, desde seu lugar e contexto, é chamado a ‘anunciar’, ‘denunciar’ e ‘testemunhar’. Viver nesta dinâmica requer paixão pela Palavra de Deus e amor às necessidades dos homens e mulheres do mundo de hoje (GS, n. 1). É dizer: não há autêntica vocação profética sem uma vida apaixonada pelos desafios do presente.

Vivemos ainda sobre os escombros de uma recente pandemia, enfrentamos as sequelas dos vínculos quebrados, das pessoas perdidas, da falta de sentido existencial, da pobreza, da inflação econômica e da crise sanitária. Como reconhecer o chamado de Deus em meio a tanto sofrimento?

Se ainda nos comovem o coração, as dores dos pobres, das mães que perderam seus filhos, dos injustiçados e prejudicados pela corrupção, dos que morreram pela negligência e pela violência, isto é sinal de que Deus continua a chamar e quer que testemunhamos um novo modo de ser, viver e amar. Se, para alguns, este parece ser ‘o pior momento’: um período crítico, incerto, de muitas demandas e pouquíssimas vocações, é possível ver por um outro olhar! O olhar de Jesus Cristo: “os cristãos precisam recomeçar a partir de Cristo, a partir da contemplação de quem nos revelou em seu mistério a plenitude do cumprimento da vocação humana e de seu sentido” (DA, n. 41).

É no meio das fraturas abertas por esta crise multifocal que a vocação profética de cada cristão se confirma. É como diz Walter Kasper “Deus revela o seu poder na impotência; a sua omnipotência é simultaneamente sofrimento ilimitado […] Por isso, a transcendência de Deus é ao mesmo tempo a sua imanência”. É na imanência da crise que a história de cada discípulo de Cristo se torna uma ‘profecia de salvação’ para aqueles que mais necessitam de luz, vida e esperança.

 

Um chamado e envio

Se a profecia é sempre destinada a um povo: “vai e grita aos ouvidos de Jerusalém” (Jr 2,1), nunca apenas para o profeta, da mesma forma a vocação não é dom ‘para’ o discípulo, mas dom ‘através’ do discípulo, com a finalidade de comunicar e edificar o Reinado de Deus entre os homens e mulheres deste tempo: “Eu vos tomarei, um de uma cidade dois de uma família, para vos conduzir a Sião. E vos darei pastores conforme o meu coração, que vos apascentarão com conhecimento e prudência” (Jr 3,14-15).

A que Deus tem te chamado? Que profecia está Ele a realizar com a tua história de vida? Quem são os destinatários mais necessitados da Palavra e da Justiça de Deus, aos quais tu és enviado?

A vocação profética é sempre um ‘para que’, sempre desprendimento, sempre saída: “para ser meu profeta entre as nações, eu te escolhi” (Jr 1,9). Procuremos superar em nossa vida cristã a imagem já esmaecida de vocação como ‘privilégio de alguns’ e entramos definitivamente na compreensão de que toda pessoa humana, todo vivente, é motivo de glória aos olhos de Deus e é chamado a viver uma vida profética, anunciando sempre a esperança de uma vida nova.

 

O autor, Jonas Gabriel Vllela Santos, é colaborador desta revista, consagrado palotino e cursa o 5º semestre de Teologia na Faculdade Palotina FAPAS

Texto publicado na edição de agosto de 2022

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