Sou o senhor do meu destino
A liberdade interior é um dom que todos recebem, mas nem todos chegam a conhecer”.
Padre Fábio de Melo
O que é a liberdade? Essa pergunta admite uma gama ampla de respostas e possibilidades. Podemos dizer, de modo geral, que liberdade é o direito “de poder fazer tudo o que não prejudique os outros”. Os liberais tendem a propor a liberdade como a esfera do livre agir com a ausência de impedimentos e obstáculos. Já os republicanos concebem a liberdade como “capacidade de autodeterminação do indivíduo por meio da autonomia da vontade”. Rousseau inclusive afirma que liberdade é “nunca fazer o que não quer”, isto é, livre é o indivíduo que não é coagido na sua ação. As definições elencadas nem sempre dizem de uma mesma dimensão da liberdade, referindo-se às vezes à liberdade como autodeterminação, como ausência de obstáculo para a ação ou como raio de ação que encontra no outro e na lei o seu limite. Aliás, do ponto de vista externo, a liberdade vai sempre implicar certa determinação e certos limites, pois o seu exercício topa com restrições demandadas pelo próprio convívio social.
A liberdade interior
Viktor Frankl, no entanto, fala da liberdade a partir de uma perspectiva interna, chamando-a de liberdade interior, a qual é concebida como um poder sem restrições. Todavia, tal liberdade não se identifica com um atributo divino e muito menos remete a uma prerrogativa que possa extrapolar a condição humana. Liberdade interior significa que não há limites intransponíveis que impeçam absolutamente o exercício da escolha. Frankl esclarece que “no campo de concentração se pode privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas”.
Nesse sentido, sempre temos conosco uma liberdade espiritual (interior) de adotar uma postura idiossincrática diante do maior fatalismo possível. Nunca o mundo e as situações nos impedem totalmente de agir. Sempre há margens, ainda que reduzidas, para a liberdade. É possível sempre escolher por mais aprisionado que se esteja. Frankl ensinava que quando a situação é boa, escolha desfrutá-la. Se a circunstância não é favorável, escolha transformá-la. Se não puder mudá-la, escolha, então, mudar a si mesmo. Escolher mudar a si mesmo é reconhecer uma alternativa para a liberdade, bem como para o protagonismo, não cedendo a vitimismos ou a posições subalternas e coadjuvantes justificadas na alegação da impotência e do determinismo.
O cárcere não encarcera a liberdade
Se é sempre possível agir, é porque a liberdade é um oásis fértil. De tal sorte que o cárcere não encarcera a liberdade, mas o corpo; não impõe limites definitivos à escolha interior, tão somente ao passo do apenado; não impede a liberdade espiritual, apenas o seu exercício em outro espaço geográfico. Dito de outro modo, o cárcere (seja qual for) não sequestra a escolha interior. Frankl explica: “O que é então um ser humano? É o ser que sempre decide o que ele é. É o ser que inventou as câmaras de gás; mas é também aquele ser que entrou nas câmaras de gás, ereto, com uma oração nos lábios”; ou, então, resmungando e amaldiçoando todos e tudo pelas situações miseráveis nas quais estava submetido.
Nelson Mandela, o grande líder e presidente sul-africano, ficou preso por 27 anos, sendo 18 deles cumpridos na ilha de Robben. Durante seu encarceramento, Mandela escreveu em um pedaço de papel o poema “Invictus”, do poeta inglês William Ernest Henley, o qual portava consigo como fonte de inspiração e bússola existencial. Vamos citar apenas o último estrofe. “Não importa que o portão seja estreito e fino, / Penas e dores não me tiram a calma, / Eu sou o senhor do meu destino, / Eu sou o capitão da minha alma”.
O poema que inspirou Mandela lhe deu a consciência de que era um homem livre, embora preso. Por mais que as condições fossem adversas e aprisionadoras, ainda assim, não podiam encarcerar sua liberdade interior e muito menos suas escolhas diárias sobre si e sobre o seu futuro. Enfim, é “na maneira como nos comportamos diante das dificuldades [e das situações limites] que se revela quem somos”.
ITAMAR LUÍS GELAIN
Doutor em Filosofia e Professor no Centro Universitário Católica de Santa Catarina (CATÓLICASC)