Sobre apaixonar-se
Há quem diga que celebrar datas é apenas uma maneira de movimentar a economia. Eu diria que é uma oportunidade de aquecer o coração. É claro que esperar apenas uma data como a que se aproxima (DIA DOS NAMORADOS) para celebrar o amor é, além de descuido, burrice. Mas não aproveitá-la como oportunidade de fazer um carinho para quem se ama também é. Afortunados são os que têm alguém para fazer um carinho neste dia. Mas e os demais, como eu, sucumbem ao recalque? Só se quiserem. Seu penso que, se for pra sucumbir a algo que seja ao amor ou à estar apaixonado.
Estar apaixonado é estar encantado e atento. Quem está encantado está sempre vigilante. Observa aquele sorriso despretensioso; aquele esbarro que é mais do que um acidente, é um afago; aquele perfume que é mais que uma vaidade, é um convite. O apaixonado não apenas ouve, ele se importa. Não apenas se disponibiliza, ele se compromete. O apaixonado não apenas “está”, ele quer se fazer presente.
Pessimistas diriam que a paixão aprisiona. Pode até ser, mas eu adoraria estar presa a algo que faz sorrir despretensiosamente, acarinhar por acidente, perfumar o ambiente, sentir-me comprometida, ser presente e sentir presença. Não estou falando aqui de relacionamentos abusivos, estou falando daquela liberdade que, de tão suave, aprisiona.
É claro que estar apaixonado, para ser bom, precisa de recíproca. Não sejamos hipócritas ou masoquistas a ponto de achar que um amor não correspondido pode ser bom. Na verdade, pode ser (ou virar) uma doença. Mas até mesmo a tristeza pode ser desfrutada. Essa palhaçada de que temos que estar sempre felizes enche o saco, além de ser uma absoluta estupidez.
Não que alguém tenha me pedido algum conselho, mas porque eu quero dar, o farei. Se você está apaixonado e é correspondido, celebre isso, com ou sem presentes. Se você é um apaixonado não correspondido, tire essa tristeza pra dançar e desfrute-a. E, por fim, se você não é um apaixonado, apaixone-se. Olhe para dentro de si e seja apaixonante o suficiente para amar a si mesmo incondicionalmente.
Ainda que necessário, amar a si mesmo não é o suficiente. Ter por quem viver é uma aventura, e como tal, também é um desafio. Entregar-se a alguém é meio que como andar no escuro. Lembro que quando era criança tinha muito medo do escuro. Meu irmão, ainda que possa parecer cruel, e talvez seja, me levava para caminhar no mais absoluto escuro para ver as estrelas e, no meio do caminho, ele saia correndo e me deixava só. Acreditem vocês ou não, o adulto era ele.
Mesmo assim, eu, banhada de medo, só conseguia olhar para as estrelas. Elas eram a minha referência. Apaixonar-se me parece ser um pouco desse caminhar na escuridão, com pontinhos de luz. Dá para entrar em desespero e sucumbir à escuridão, assim como dá para se guiar pelas estrelas e desfrutar delas.
Nenhum dos caminhos é seguro, mas parece que o guiado pelas estrelas é mais gracioso, ainda que se mantenha perigoso. Andar nesse caminho escuro, incerto, desprotegido é quase como estar nu. É despir-se do orgulho, da prepotência, do egocentrismo, da “seu jeito”, de “ter razão”. O detalhe é que quem está apaixonado sem sempre sabe se está nu ou vestido. É como vestir a roupa do imperador (entendedores, entenderão).
Ainda que apaixonar-se possa parecer uma estupidez, afinal meter-se numa aventura ou despir-se de uma série de convicções em função do outro é mais romântico do que eficaz. Mas ainda assim, quando nos permitimos ser estúpidos o suficiente a ponto de nos apaixonarmos, tudo parece ato suavemente inocente que a burrice vale a pena e, no fim, se é que tem fim, podemos passar de pedra bruta à diamante.
Mas faço um apelo com as palavras da Lispector: “Não procure alguém que te complete. Complete a si mesma e procure alguém que te transborda”. Seja o que você e se torne melhor ao lado do outro e torne o outro melhor ao seu lado. Não passe por cima de si. Isso não paixão, isso é doença. Então, apaixonemo-nos, mas não nos permitamos adoecer.
Texto escrito por: Clariane Leila Dallazen