Sem categoria › 07/09/2019

Semana da Pátria – Afinal, o que realmente queremos?

Nos tempos da minha infância, quando a disciplina parecia ser mais regra do que exceção, a Semana da Pátria era muito esperada, por dois principais motivos: o primeiro, porque nos era oportunizado, como alunos em formação escolar e cidadã, conhecer melhor o país que vivíamos (que, seguramente, não é mais o que vivemos). O segundo, porque nos era dada voz ou vez para reverenciar essa pátria que estávamos a conhecer melhor e a desenvolver uma empatia por ela, que é de suma importância para o comprometimento político e social.

Tínhamos essa oportunidade a cada início de aula daquela semana, quando, antes de começarmos o dia escolar, éramos convocados a conhecer nossa bandeira e nosso hino e saudá-los. Mas não era só uma postura passiva que nos era proposta. Por meio da declamação de poemas (por vezes até criados por nós mesmos), leituras de histórias, jograis, pequenas exposições teatrais, éramos convidados a conhecer de uma maneira plural e não tão formal um pouco da nossa formação social e política. Isso nos despertava curiosidade, um despertar essencial para a instituição “escola”, pois o desejo de conhecer é seguido pela satisfação do conhecimento, o que empodera.

Ao chegar no dia 07 de setembro, dia da Independência do Brasil, faço um passo adiante e chego ao 08 de setembro, que é o Dia Mundial da Alfabetização. Assim, percebo que o grito de independência: “Independência ou Morte” é emblemático. Ele representa um rito de passagem para um Estado social que já se vinha buscando desde 1808, quando o Brasil passou a ser a capital do Império português, com a vinda da família real. Com ele, formaram-se, de fato, os dois lados: os fiéis à coroa portuguesa e os vanguardistas de um país livre (ao menos na teoria).

O cenário político atual parece não ser tão diferente. Formaram-se dois grandes grupos políticos que se identificam mais em oposição ao outro do que por possuírem valores próprios, mesmo que opostos. É a instauração do caos. Essa disfuncionalidade tem nos levado a caminhos cada vez mais incertos.

Compreendendo a independência política como um processo para a autonomia, relembro o Dia Mundial da Alfabetização, criado pela ONU e pela Unesco 1967, para motivar a discutir questões relacionadas não só à alfabetização, mas ao letramento. Coladinho no dia da Independência, o dia da luta contra o analfabetismo vem nos recordar a importância da escola, não apenas na alfabetização, mas também no letramento das pessoas.

Entendamos a diferença entre alfabetização e letramento. Alfabetizar é permitir a um indivíduo conhecer uma coletânea de signos e reconhecer o que significam isoladamente ou unidos a outros. Letrar é dar a capacidade ao indivíduo de, não apenas juntar esses signos apreendidos e decodificá-los, mas de compreender, de fato, aquilo que significam, manipulá-los, enriquecê-los e transmiti-los de forma consistente. Ou seja, alfabetizar habilita a pessoa a decodificar a leitura e a escrita, ao passo que letrar permite compreender e significar. Ambos precisam andar juntos. O não desenvolvimento do letramento torna o indivíduo um analfabeto funcional, habilitado apenas a decifrar mensagens, sem compreen- der, de fato, a dimensão daquilo que ouve, lê, escreve ou fala. Talvez, nem o que pensa.

Com o bombardeio de informações a que nossa sociedade está exposta diariamente, o analfabetismo funcional desperta ainda mais preocupação. O letramento é fundamental para que a independência, gritada às margens do Ipiranga, seja mantida. Numa sociedade em que a possibilidade de manipulação de informações está extremamente acessível e em que se permite que notícias falsas (fake news) criem convicções políticas, religiosas e éticas,para sermos, de fato, uma nação independente, antes de qualquer outra coisa, é preciso que saibamos pensar. Pensar aquilo que ouvimos e aquilo que falamos. Pensar aquilo que lemos. Filtrar o mundo de informações que nos inunda (por vezes imunda), para não nos permi-tirmos ser enganados.

Para ser um cidadão de fato é preciso estar letrado e letrando-se constantemente, Uma pessoa é independente quando toma para si a responsabilidade de verificação das informações recebidas. Existe uma máxima entre os jornalistas que serve também a nós: se alguém diz que está chovendo e vem outro e diz que não está chovendo, a tarefa do jornalista não é escrever as duas opiniões, é ir lá fora ver se está chovendo ou não. Assumir a postura de cidadão, não se contentando com uma posição de vítima das circunstâncias, mesmo que cômoda, é virtude patriótica, é patriotismo. Política não se faz só em bancadas. Política se faz todo dia, o tempo todo, com cada escolha que fazemos, por mais simples que possa parecer.

Um cidadão, sempre e em todo lugar, ajuda a educar. Cidadania e educação é um binômio inseparável. Assim como um pai educa pelos poros, com seus gestos, exemplos e sinais, um cidadão faz política em seu cotidiano.

O contexto da independência atual, como não poderia deixar de ser, é diferente dos idos tempos do grito do Ipiranga, assim como a celebração da pátria é diferente dos tempos da minha infância. A pátria é outra e a independência tem roupagens outras que não mais as de ordem colonialista. No entanto, independência ainda significa a mesma coisa: não se deixar assujeitar por uma força soberana, que nos impõe meias verdades e padrões de conduta que tentam limitar nossa capacidade de pensar, aprisionando-nos. Já é tempo de celebrarmos a pátria, como alfabetizados que somos (e/ou ainda podemos ser), assumindo as rédeas de nossas atitudes políticas, para não nos deixarmos ser vítimas da política das bancadas. Independência ou sucumbência? Independência ou morte.

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