Artigos › 25/08/2023

‘O Dilema das Redes’ e a comunicação da Igreja

O documentário ‘O Dilema das Redes’, dirigido pelo cineasta americano Jeff Orlowski e publicado em 2020 pela Netflix, tematiza uma grave questão atual das sociedades pós-modernas: a relação entre ‘ética’ e ‘tecnologia’ no campo das mídias de internet.

 

O documentário evidencia, por meio de entrevistas a experts em tecnologias da informação, social media e design de aplicações, que a linguagem presente nas plataformas comunicacionais carrega em seus códigos e algoritmos uma intencionalidade que não se preocupa em prever e dimensionar as consequências antropológicas, psicológicas e socioculturais de suas implementações. .

A eclosão das fake news e a utilização das ferramentas de aplicações como Facebook, Instagram, pop-ups, tráfego pago e landing page para a potencialização da misinformation (desinformação) geraram fraturas sociais e polarizações em diversos cenários políticos, como nas eleições norte-americanas de 2016 e 2020 e nas eleições brasileiras de 2022. A suspeita levantada questiona a responsabilidade ética em situações criminosas como a propaganda falsa e provoca a questão: as big techs que desenvolvem tais ferramentas e as comercializam indiscriminadamente não seriam corresponsáveis pela produção da instabilidade política, social e ética?

 

Você é o produto

O documentário ajuda a evidenciar que as tecnologias de internet não são neutras. A manipulação produzida não está sobre as interfaces e aplicações, mas ao contrário: os usuários é que são manipulados pela lógica das plataformas de relacionamento, consumo e publicidade. A frase de Andrew Lewis, “se você não está pagando pelo produto, o produto é você”, sintetiza o atual sistema de faturamento das big techs sobre a internet e suas aplicações. O usuário passou de consumidor a produto consumido, vendido, gerenciado e influenciado.

É um novo patamar de manipulação de dados que, mais do que permitir o tráfego de informações sensíveis como números de identidade, cadastros de pessoa física, registros em sistemas de crédito, é capaz de perfilar o comportamento e a vida de um sujeito ao ponto de descrever padrões emocionais e existenciais. Atitudes e decisões de uma pessoa podem não apenas ser previstas, mas também incitadas e provocadas.

A técnica não está mais apenas a serviço do homem, ela mesma tem determinado um tipo de humanidade e subjetividade perigosas, capazes de ignorar o direito à liberdade e à privacidade para produzir um certo estado de coisas segundo os interesses comerciais de um segmento dominante das sociedades. Quem é o culpado disso? Muitos e ninguém!

Não é possível determinar a autoria pessoal e individual de todo esse cenário. O que vivemos é um resultado histórico de uma despersonalização crônica da técnica. A característica essencial deste problema ético é justamente a falta de um rosto pessoal que possa reconhecer e ser reconhecido em meio às deliberações e às racionalizações do mundo da tecnociência.

O sujeito impessoal e absoluto da teoria hegeliana da história parece ganhar um ícone. Ele se visibiliza na inteligência artificial. Ela é programada pelo homem, mas é capaz de aprender a decidir sem o homem e sem qualquer comoção pelo o que possa significar ‘ser humano’.

 

E as novas gerações?

Há de crescer a consciência de que trafegar eticamente no mundo da tecnociência exige o aprofundamento e conhecimento novo de suas linguagens. É a linguagem que constrói o tipo de humano em que nos tornamos. Será preciso sempre mais compreender, criticar e transcender tais linguagens, evadir para o campo onde o código e o silogismo não funcionam plenamente, onde os profiles (perfis) não correspondem ao ineditismo da vida e dos acontecimentos mais transformadores, onde o ‘algoritmo’ não é capaz de previsão, onde o objeto não pode ser quantificado, nem codificado.

Talvez o ocaso humanístico sinalizado pela tecnociência esteja prenunciando o alvorecer de uma humanidade que já não suportará viver do pensamento estratégico e instrumental. Talvez esteja para nascer uma humanidade que voltará às fontes espirituais, místicas e holísticas das civilizações, de modo que o pensamento técnico cederá espaço ao pensamento transcendental, espiritual e até mesmo religioso. Pois a única coisa que não pode ser prevista é aquilo que a alma e o espírito humano experimentam no encontro transformador com o seu sentido.

A linguagem técnica pode produzir tudo, menos a experiência da surpresa e do novo. Estes não cabem nos limites dos bytes e do código. Talvez seja esta a esperança da humanidade à beira do ‘apocalipse das redes’. O que não pode ser convertido em ‘zeros’ e ‘uns’, chama-se ‘o humano’, que hoje vive o dilema das tecnologias. E enquanto for capaz de ‘dilemas’, aporias, contradições e insatisfações, o humano sempre ressurgirá do meio de suas formas já saturadas e históricas.

Diante de tudo isso, como fica a Pastoral da Comunicação da Igreja Católica?

 

Jonas Gabriel Vilela Santos

O autor, colaborador desta Revista, é seminarista
palotino, formando em Teologia da Fapas, em Santa Maria (RS)

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