Artigos › 03/11/2021

Generosidade como fruto de elaboração do luto

Entre os legados mais profundos adquiridos através do luto bem vivido, a generosidade se destaca.

 

A capacidade de acolher o sofrimento do outro sem fazer julgamento e sem postular caminhos prontos para a resolução da perda é refinada pela experiência pessoal do luto. Quem viveu os dias do silêncio em que não havia resposta para as sucessivas perguntas iniciadas com um “Por quê?”, quem teve que se reorganizar para seguir realizando as tarefas cotidianas sem a presença daquela pessoa com quem dividia a vida e, depois de trilhar um itinerário de altos e baixos, conseguiu encontrar força para continuar a sua missão e ser feliz, entende o que é o processo de enlutamento.

Há dias particularmente exigentes e sofridos e há dias mais leves e criativos, mas o processo é sempre pessoal, por isso, vai depender dos instrumentos internos e do suporte da rede de relacionamentos que o enlutado dispõe para passar por este caminho. Daí a importância do papel daquele que já passou por isso. Quem já viveu esta realidade desempenha um papel ativo, mesmo que silencioso, de testemunha da possibilidade de absorver o impacto da perda e ressignificar a vida dali para frente.

A percepção do luto muda quando transpõe o limite do tema enquanto conhecimento teórico para a prática vivencial. Este conhecimento se torna vivência e capacita enxergar e compreender a realidade do outro, pois é a partir da própria experiência que se torna capaz de sair de si e, generosamente, acessar e acolher a realidade do outro, assim como o olho que só pode ver o outro enquanto não olha para si mesmo.

Em tempos de inúmeras mortes (como aconteceu em abril deste ano, quando 4.211 pessoas morreram de Covid-19, no Brasil) e, em dias como o de finados, o pensamento da morte e a ideia de consolar os enlutados se faz muito presente. Mas, o que, de fato podemos fazer para ser presença positiva na vida do enlutado? Autenticidade é a marca da verdadeira empatia, daquela que não fica presa no decalque no vidro, ou do bordado no quadro, mas que compreende o sofrimento do outro e não fantasia a própria história. Olhar para si mesmo e reconhecer que no luto não existem distinções e méritos por rapidez ou por pensamento positivo no processo, mas que se é luto vai doer e se o investimento emocional naquele que morreu é importante, não é fácil absorver a perda, faz com que uma ponte seja construída para o encontro verdadeiro e despojado de censura ou superioridade.

Na época em que vivemos todos conhecemos o luto, mas quem fez a experiência pessoal da perda torna-se testemunha da vida após o sofrimento e da possibilidade de resgatar o sentido da vida e de continuar sua missão; compartilhar, generosamente, seu aprendizado e acolher quem atravessa esse momento é uma forma de oferecer consolo.

A autora, Sonia Sirtoli Farber é colaboradora desta Revista, Tanatóloga e doutora em Teologia.

Texto publicado na edição de novembro de 2021. 

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