Artigos › 03/02/2023

Consumir é ser

A frase do título é de um artigo do historiador Leandro Karnal no qual aborda o tema da felicidade. O autor descreve que a felicidade na atualidade está muito conectada com o consumo.

Entretanto, de uma forma ou de outra, todos buscam essa tal felicidade. Por outro lado, a abundância de bens de consumo não faz as pessoas felizes. O que poderá estar acontecendo?

Percebe-se um paradoxo interessante: muita gente busca ganhar dinheiro (a maioria dos comerciais, por exemplo, dão ênfase a isso), mas não conseguem cumprir as promessas e nem encontrar satisfação. Por quê? Segundo Karnal, porque a felicidade não está no ato da compra. A felicidade antecede a compra, mas a satisfação logo vai embora e fica-se com a sensação de que o será para o dia seguinte. Assim, lá vão pessoas em busca novamente da felicidade.

Outra pergunta: por que acontece isso? Um ou mais motivos é porque no dia seguinte à compra já foi lançado no mercado outro produto mais sofisticado e o prazo de validade da felicidade é muito reduzido, muito curto. Com isso a insatisfação permanece e nada satisfaz. Existe sempre uma carência, uma falta, um desejo insatisfeito. É como carregar uma pedra montanha acima que sempre rola de volta para baixo ao atingir o cume. Torna-se

uma repetição em busca de algo que satisfaça e que nunca atinge seu objetivo. Pode-se pensar que essa ansiedade para ser feliz ao adquirir algum objeto seria uma forma de fugir do próprio eu que sofre a angústia de uma falta. Sobre isso Karnal escreve: “O consumo é permanente, rápido e provoca esforços que indicam um vazio continuado e forte.[…] É preciso dissociar de consumir. Consumir pode ser bom se o produto for uma alavanca simples para melhorar nossa visão de mundo”.

Vazio interior

Criou-se um vazio profundo e um horizonte inatingível que sempre vai mais além quando se imagina ter alcançado o grande objetivo: a felicidade. Existem padrões vigentes de consumo e quando alguém se recusa a entrar nessa dinâmica avassaladora consumista é visto como um estranho. Se para um adulto estar imune aos apelos consumistas é complicado e complexo, é muito mais para uma criança e um adolescente.

Nesse complicado emaranhado de consumo e felicidade muito associados criam-se absurdos. Porém, não se trata de parar de consumir. Entretanto, o mundo é incapaz de entender a carência das pessoas que valorizam a imagem e não o ser. Atualmente consumir equivale a ser.

Essas reflexões me levaram a pensar nos versos do poeta Tom Jobim: “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar. Voa tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar”. Vicente de Carvalho também escreveu: “Essa felicidade que supomos, existe sim, mas nós não a alcançamos. Porque está sempre apenas onde a pomos e nunca a pomos onde nós estamos”.

Diálogo interior

Às vezes corremos o risco de acreditar em miragens, falsas imagens que facilmente nos enganam. Portanto, seria importante conversar consigo mesmo, estabelecer um diálogo interior, marcar um encontro com seu próprio eu. Caso contrário, iremos buscar algo fora de nós. Não quero dizer que isso seja negativo, mas buscar muito fora poderá nos esvaziar e nos fazer cair na ansiedade.

Significa conversar com os próprios desejos para fazer a vida valer a pena. Conversar consigo mesmo é um ato de coragem para entrar em um espaço nem tão conhecido para uns e desconhecido para outros. Seria não fugir de si mesmo, mas ser autêntico, honesto consigo. Também ter um encontro marcado consigo mesmo, fazer um espetáculo das pequenas coisas, dividir problemas com os demais. Certamente irá se enamorar da própria vida.

A tão almejada completude é uma utopia, é impossível. Mas isso não torna a vida menos bela. Ter consciência das próprias necessidades, das insatisfações e saber que não somos perfeitos. Pessoas perfeitas são infelizes. Então, é importante se auto esculpir, construir a própria imagem e parar de se lamentar.

O programa para se tornar feliz é irrealizável, ou seja, não poderá ser pleno. Porém, não poderemos abandonar nossos esforços para nos aproximar dele. A felicidade é passageira, claro, mas devemos fazer valer a pena esses momentos que passam como um sopro, ou como uma pena levada pelo vento, que voa enquanto o vento soprar.

Padre Sérgio Lasta, SAC

O autor, colaborador desta revista, é psicólogo, doutor em Educação e padre palotino em Santa Maria (RS)

sergiolasta@gmail.com

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