A ditadura da felicidade
A ditadura da felicidade
Quando se fala em felicidade logo vem na mente momentos muito agradáveis, de harmonia consigo mesmo, com os demais e com o mundo.
Com frequência somos convidados a deixarmos de lado os problemas que nos atingem e não levar em conta as tristezas, dificuldades e termos pensamentos positivos. Claro que todos queremos ser felizes, mas em que consiste essa ditadura da felicidade que sugere uma obrigatoriedade? Esse pensamento tem ganhado força atualmente e até nos ensina como negar os aspectos negativos nas nossas vidas. Essa negação nos faz mergulhar numa bolha para ignorar tudo o que for negativo para a vida se tornar maravilhosa. Tal atitude poderá trazer sérias dificuldades para lidar com os momentos difíceis e, consequentemente, poderá gerar depressão e ansiedade, segundo o psicólogo Bez.
Parece haver um compromisso e uma ditadura, uma pressão para estarmos sempre bem, mesmo quando as coisas não vão bem. Tais pensamentos poderão gerar estresse e atingem a autoestima. Heloísa Capelas, especialista em autoconhecimento, afirma que: “Se eu vivo a dor, estou errada porque tenho que ser feliz. Se estou feliz, estou errada porque está doendo. As pessoas se sentem más e ruins por isso”.
Tais pensamentos dificultam buscar ajuda de amigos, de familiares e de profissionais da saúde mental, pois possibilitam fingir que não precisa de alguém para ajudar em seu sofrimento. Portanto, pode parecer contraditório, mas essa positividade poderá ser tóxica. Entretanto, sabemos que as tentativas para fugir do negativo, seja sufocá-lo, evitá-lo ou até mesmo silenciá-lo, tendem a falhar, porque gera mais sofrimento. Ou seja, a positividade tóxica, também conhecida de positivismo ao extremo consiste em impor a nós mesmos, também aos outros, uma atitude falsamente positiva, como se estivesse sempre feliz e otimista em qualquer situação e, com isso, silenciar as emoções tidas como negativas tanto em si quanto nos outros. Com frequência somos convidados a não pensar naquilo que nos faz sofrer e pensarmos somente positivo.
O psicólogo Antônio Rodellar utiliza o termo “emoções desreguladas” ao invés de “negativas” e escreveu: “A paleta de cores emocionais engloba emoções desreguladas, como tristeza, frustração, raiva, ansiedade ou inveja. Não podemos ignorar que, como seres humanos, temos aquela gama de emoções que têm uma utilidade e que nos dão informações sobre o que acontece no nosso meio e no nosso corpo”. A positividade tóxica é uma negação de todos os aspectos emocionais que representam um desafio. A psicóloga Sally Baker afirma: “É desonesto em relação a quem somos permitir-nos apenas expressões positivas. Negar constantemente tudo o que é negativo que sentimos em situações difíceis é exaustivo e não permite construir resiliência (a capacidade de nos adaptarmos a situações adversas)”.
A positividade tóxica nos isola de nós mesmos e de nossas verdadeiras emoções e quem somos fica oculto para não mostrarmos uma imagem imperfeita. Ou seja, somos como que obrigados a mostrar uma imagem que não somos e isso é uma armadilha porque dificulta trabalharmos com nossas emoções negativas ou, então, ignorá-las e não reconhecê-las e nem aceitá-las. Portanto, não podemos levar o otimismo ao extremo, pois esse bloqueio tem consequências graves para a saúde física e mental.
Segundo Rodellar: “Todas as emoções que reprimimos são somatizadas, expressas através do corpo, muitas vezes na forma de doença. Quando negamos uma emoção ela encontrará uma forma alternativa de se expressar”. Completo com o que escreveu Baker: “Suprimir as emoções afeta a saúde. Se você esconder suas dificuldades mentais por trás de uma fachada de positividade, elas se refletirão de maneiras alternativas em seu corpo, de problemas de pele à síndrome do intestino irritável”. Ou seja, nosso corpo arruma um jeito para chamar a atenção e isso produz esgotamento físico e mental. Por outro lado nos tornamos vulneráveis a outras situações e leva a desequilíbrios, depressão e ao uso de medicamentos ou drogas.
Não é bom levar uma vida irreal, mas sabermos lidar com fracassos, tristezas e outras situações difíceis para tirarmos aprendizados, aceitar todas as emoções, sermos honestos conosco mesmos e experimentar qualquer emoção. Partilhar sentimentos ao invés de fugir deles ou esconder, pensar os sentimentos e se escutar para ter responsabilidade com a própria vida, pois todas as emoções são válidas e autênticas.
O autor, Pe. Sérgio Lasta, é colaborador desta Revista, psicólogo, doutor em Educação e padre palotino em Santa Maria (RS)
Texto publicado na edição de dezembro de 2021