Artigos › 06/07/2020

O direito do consumidor e a pandemia

Com a chegada da pandemia de covid-19, a rotina de todos os brasileiros foi afetada, com alteração no trabalho, nos planejamentos de eventos, viagens, cursos, estudos e até nas compras.

Toda essa mudança gera muitas dúvidas de como agir e quem procurar, pois elas trazem restrições de circulação de pessoas, o fechamento de estabelecimentos para que o contágio do vírus seja minimizado, buscando o bem coletivo.

Como fica o direito de quem já pagou um evento, de quem tinha ou tem casamento ou cerimônias marcadas, viagens, entre outros contratos?

O Código de Defesa do Consumidor prevê a revisão de cláusulas contratuais ante situações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos  que as tornem excessivamente onerosas (artigo 6º, V).

Caso haja a impossibilidade de não cumprir com o contratado, como no caso da pandemia, as partes devem repactuar o contratado, adiando quando possível o evento e buscando a melhor situação para ambos.  A remarcação é uma boa saída, com recomendação de que seja por um período mais alongado, entre 90 e 365 dias, para que as partes possam novamente se reorganizar sem que isto gere novos custos ao consumidor.

Quando o valor já foi pago, tem direito ao reembolso integral, sem qualquer desconto, se assim decidir pela não remarcação, devendo negociar com o prestador de serviços/fornecedor.

Reserva/contratação de serviços internacionais

Nos casos em que não houver a intermediação de agências ou prestador de serviços. Como não há um alcance da nossa legislação, mais uma vez deve-se apelar para o bom senso e requisitar pela devolução do valor, sem a cobrança de multa ou então a remarcação de data, sem custo de outras cobranças, quando a contratação do hotel ou pacote de turismo for efetuada diretamente pela operadora de cartão de crédito. Já no caso de ter sido contratado por meio de agência ou com uso de prestador de serviços no Brasil, este é quem deve reembolsar ou remarcar o hotel sem custos adicionais ao consumidor.

Passagens aéreas

Com relação às passagens áreas, foi editada a medida provisória 925/20, que prevê o prazo de 12 meses para que seja efetuado reembolso de desistência de compra de passagens aéreas e, quando o consumidor aceitar que o valor pago fique como crédito a ser usado futuramente, neste mesmo período de 12 meses, a companhia aérea não aplicará qualquer penalidade. Este prazo é contado a partir da data do voo contratado. Estão ainda obrigadas as companhias aéreas a manter a assistência material, quando houve atraso ou cancelamento de voo.

Planos de saúde

A Agência Nacional de Saúde (ANS) aprovou, em 12 de março de 2020 e valendo a partir de 13 de março, a inclusão de exame de detecção do covid-19 na lista de procedimentos obrigatórios que deverão ser cobertos pelos planos e seguradoras de saúde, cuja obrigatoriedade se dá nos casos de pessoas suspeitas ou prováveis de terem contraído o novo vírus.

Quanto à cobertura de internação, ela continua obrigatória toda vez que o médico entender como necessária, quando o paciente em casa tiver chance de risco de morte e a cobertura está diretamente vinculada com o cumprimento de carência prevista no contrato, e se o plano contemplar a área hospitalar.

Nos casos em que o consumidor precise ser atendido em função de outras enfermidades, há aprovação do sistema de telemedicina ou medicina a distância, com utilização de recursos de tecnologia, e segundo a recomendação da ANS as operadoras de saúde devem oferecer aos seus associados tais possibilidades, já que em tempos de pandemia o isolamento deve ser a regra e sair de casa, a exceção.

Eventos

Com relação aos eventos, shows, estes também devem ser reembolsados de forma integral e sem qualquer punição ao consumidor.

Educação

Quanto às escolas, universidades, academias, escolas de idiomas etc, este é o momento de renegociar, tendo em vista que o cumprimento do contrato pode se tornar demais oneroso para o consumidor, já que este está impedido de frequentar o local e obter as aulas como pactuado, exceto se a universidade ou escola colocar à disposição do estudante outra forma eficaz de adimplir o contratado. Não se está aqui dizendo que os pagamentos devem ser suspensos, mas que os valores devem ser renegociados.

Academias de ginástica

O aluno não poderá ter contato direto com o professor bem como o acesso aos aparelhos/equipamentos de ginástica, devendo o consumidor requerer a suspensão do contrato e renegociar o contrato, podendo inclusive requerer o aproveitamento dos valores pagos para quando puder efetivamente gozar das aulas ou do uso da academia.

E se o contratado não quiser ou se recusar a renegociar?

Como o momento é de excepcionalidade, e se preza pela boa-fé contratual, o consumidor deve efetuar uma reclamação nos serviços de atendimento ao consumidor da empresa (SAC), e caso não obtenha resposta, deve buscar os órgãos de defesa do consumidor ou então entrar com uma ação judicial contra a empresa prestadora de serviços ou fornecedor, para que seja garantido seu direito.

Troca de produtos

Com as lojas e estabelecimentos comerciais fechados (por obrigação legal), o que fazer?

A recomendação é entrar em contato com o serviço de atendimento ao consumidor para que seja feito o pedido de extensão do prazo legal, obtendo-se um número de protocolo, podendo ainda o consumidor enviar um e-mail ou mensagem quando assim lhe for disponibilizado o canal virtual em rede social (por exemplo, WhatsApp), formalizando o desejo da troca e o motivo pelo qual não pode efetuar. Isto também se aplica nos casos de cumprimento de obrigação, cita-se como exemplo, a manutenção/revisão de veículo, que está com garantia, deve contatar a rede autorizada e requerer a prorrogação desta garantia, remarcando o serviço para quando a situação voltar à normalidade, não podendo o consumidor ser punido com a perda da referida garantia do produto.

Aumento abusivo

Tem-se visto muito um aumento abusivo do preço de produtos ligados à higiene e combate ao coronavírus, como por exemplo, álcool gel, álcool, água sanitária, máscaras de proteção, luvas etc.

Esta é uma prática abusiva, que deve ser fiscalizada pelos órgãos de defesa do consumidor, cabendo punição de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.

Nos casos em que o aumento de produto for excessivo, acima de 20% do valor que vinha sendo praticado, o ato pode ser configurado como crime contra a economia popular com pena prevista de seis meses a dois anos de detenção e multa. Assim quando o consumidor se deparar com tal fato deve comunicar aos órgãos de defesa do consumidor ou autoridade policial para que sejam tomadas as medidas jurídicas cabíveis.

Em caso de dúvidas, consulte um advogado.

A autora, Fernanda Martelli, é colaboradora desta revista e advogada – OAB/MS 13.291. Texto publicada da edição de julho de 2020.

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