Espiritualidade como elemento terapêutico
Freud denuncia que “os seres humanos têm certeza que são imortais”. É risível pensar que nos imaginamos assim. Mas é assim mesmo. Esportes radicais e intemperança de todas as formas no trato com o corpo e com a mente provam isso. Entretanto, a existência é marcada pela fragilidade e pelas ameaças que apontam para o fim que virá, mais cedo ou mais tarde, mas para todos virá.
Com a verificação da incapacidade de resolver o mal-estar, o desconforto, o sofrimento e a doença apenas com expedientes clínicos e farmacológicos, algumas faculdades das áreas da saúde passaram a inserir a disciplina de Espiritualidade na sua grade curricular, e ainda que sejam, na maioria, disciplinas optativas, é um indicativo da atenção holística que o cuidado humanizado quer oferecer aos pacientes.
A pessoa humana é um ser biopsicossocioespiritual, por isso, não é afetado e não tem necessidades apenas físicas e emocionais, mas é impactado pelo meio em que está inserido e tem, na esfera espiritual, um elemento importante para seu equilíbrio. Ser saudável é ter equacionadas todas as dimensões do seu ser. É o que as ciências da saúde têm reconhecido.
Apesar das medidas pedagógicas serem recentes, a noção de cuidado do ser humano em todas as suas áreas sempre foi entendida pelos cuidadores populares que, ao longo da história, viveram a tensão entre a indiferença, a crítica, a perseguição e a consideração mística e esotérica. Estes cuidadores são os líderes religiosos aborígenes e indígenas, as rezadeiras, os anciãos e os familiares que ofereciam do chá à massagem para “arca caída”, do toque das mãos à escuta generosa e atenta. São tantos os exemplos, e cada região tem os seus.
A Organização Mundial da Saúde, no manual de cuidados do ano de 2004, dirigindo-se aos profissionais da área da saúde que atuam junto aos paciente que recebem cuidados paliativos, diz a estes que animem os familiares a atender aos seus doentes, pois todo ser humano tem a capacidade de cuidador de outro ser humano. Certo é que a população sempre entendeu que para enfrentar as suas perdas, seus sofrimentos e angústias necessitava mais do que de um comprimido, precisava de atenção e da fé em uma instância superior.
Espiritualidade não é sinônimo de confessionalidade, mas é alimentada por ela. Fazer parte de um grupo que comunga a mesma fé, modo de rezar e ritualizar fomenta a espiritualidade e a enriquece. A espiritualidade alimenta a resiliência e mantém a força da luta não somente em vista da cura ou da solução, haja vista que nem todas as situações podem ser revertidas, mas fortalece a luta do sentido da vida, mesmo que esta vida esteja mirradinha.
A espiritualidade como elemento terapêutico ultrapassa os limites de conforto oferecidos por outros instrumentos porque vem ao encontro da realidade humana que é mais que física, mas tem apelo e vocação de transcendência. Daí que não se pode negligenciar este aspecto quando se quer acolher o enlutado, confortar o doente terminal ou crônico, e ajudar aqueles que sofrem. Desta tomada de consciência emerge uma constatação e um compromisso: cultivar a própria espiritualidade para o seu bem e para o bem daqueles com quem estamos.