Um exemplo de superação
Há 110 anos nascia em Minas Gerais, na cidade de Sacramento, Carolina Maria de Jesus. Você conhece a história dela? Pois ela se tornou uma importante escritora brasileira, superando tantas dificuldades que até fica difícil de acreditar que existiu alguém assim. Queres conhecer a vida dessa notável mulher? Então, me acompanhe.
Carolina de Jesus nasceu em 14 de março de 1914 e sofreu vários tipos de preconceitos que existiam naquela época, por ser mulher, afro-brasileira, semianalfabeta, doente (asmática) e muito pobre. Cá entre nós, será que alguns desses preconceitos não existem até hoje?
Ela sobrevivia de coletar lixo reciclável e uma das suas frases reflete bem as dificuldades que enfrentava. Ela disse: “A arte mais difícil é a arte de viver”.
Ela nasceu no meio rural e era filha ilegítima de um homem casado. Foi maltratada e rejeitada por isso durante toda sua infância. Aos sete anos iniciou seus estudos, mas teve que interrompê-los já no segundo ano. Assim, teve pouco tempo para aprender a ler e a escrever.
Carolina era considerada semianalfabeta, no entanto seu pouco tempo no colégio despertou nela um grande amor pela leitura. Além disso, ela tinha uma grande religiosidade, sempre se referindo a Deus no que dizia e escrevia.
CIDADE GRANDE
Quando sua mãe morreu, ela foi tentar a vida na cidade grande: São Paulo. A metrópole a assustava, mas ela construiu um barraco feito de restos de madeira e papelão na favela do Canindé, zona norte da capital paulista. Ela conseguia comer catando lixo de noite pelas ruas da cidade.
Sua vida era andar e andar com um grande saco plástico nas costas e torcendo para achar um lixo que pudesse vender. Ela colocou na cabeça que era uma escritora e poetisa. Quando chegava no seu barraco, cansada de vagar pelas ruas desertas, acendia uma vela e ia ler pedaços de jornais velhos e escrever no seu diário.
No seu barraco não tinha água e por isso precisava acordar bem cedo para ir buscar água na única torneira que abastecia todos os moradores da favela.
Carolina teve três filhos e eles geralmente se alimentavam com sobras de comida e farinha. Outra frase marcante dela: “A fome é a pior das enfermidades”.
Muitos dos seus vizinhos a xingavam e ironizavam por ela querer ser escritora. Diziam que Carolina era esnobe por não se conformar com sua vida miserável.
ALGUÉM APARECE
Um belo dia, um jornalista foi à fa-
vela do Canindé para fazer uma reportagem sobre a vida dos marginalizados. Lá ele ouviu falar de uma mulher que escrevia um diário e ficou curioso.
O nome dele era Audálio Dantas e o encontro
com Carolina mudaria a vida de ambos.
Ele pediu emprestado o diário em que ela escrevia todas sobre as esperanças, medos e dificuldades enfrentadas. Ele gostou do conteúdo e resolveu começar a publicar trechos do diário no jornal Folha da Noite, em maio de 1958.
Carolina começou a ficar famosa, o que despertou ainda mais a inveja de alguns vizinhos. Em agosto de 1960 foi lançado seu principal livro, intitulado Quarto de despejo: o diário de uma favelada. Obra que vendeu mais de três milhões de exemplares, foi traduzida para 16 idiomas e distribuída em mais de quarenta países! Com a fama e os direitos autorais, ela conseguiu sair da favela e morar num bairro de classe média. Posteriormente se mudou para a zona rural de São Paulo, de modo a relembrar sua infância.
Ela escreveu outros livros e até gravou um disco com suas composições, mas nada se igualou ao livro inicial.
Carolina teve reconhecimento internacional, viajou para vários países a fim de receber homenagens e honrarias. Em Buenos Aires, recebeu a “Orden Caballero del Tornillo”.
Carolina morreu em 13 de fevereiro de 1977, com 62 anos, devido à insuficiência respiratória causada pela asma. Quando nos deparamos com dificuldades, será que temos a força de vontade de Carolina?
Carlos Alberto Veit
O autor, colaborador desta Revista, é professor, jornalista e psicólogo clínico em Porto Alegre (RS)
oficialcarlosveit@gmail.com