Artigos › 16/06/2023

O que acontece na transubstanciação

A transubstanciação, no seu sentido ativo, é ação eclesial por meio da qual o ministro ordenado, ao invocar o Espírito Santo, pede ao Pai que converta o pão e o vinho eucarísticos em corpo e sangue de Cristo. Ela é a ação por meio da qual o pão e o vinho, na liturgia consecratória, são convertidos em corpo e sangue de Cristo. Mas para melhor compreender “o que acontece” e, por consequência, entender “o que é” a transubstanciação é preciso fazer também uma contextualização histórica.

 

Os sacramentos

Nos primeiros séculos do cristianismo não se tem praticamente quase nenhuma tentativa de elaborar uma sistematização teológica do sacramento da Eucaristia. A pressuposição universal do período, ainda que um tanto vaga, era a de que um sacramento constituía um sinal externo e visível que assinalava a presença da graça invisível, mas genuína de Deus. São João Crisóstomo recordava, por exemplo, que a Eucaristia precisava ser compreendida com os “olhos” do intelecto prestando atenção naquilo que o Senhor prometeu e não naquilo que os sentidos percebiam. Essas reflexões iniciais abriram caminho para reflexão mais completa elaborada durante o período medieval.

 

Diversos termos

Compreendemos, então, por que a linguagem empregada pelos cristãos no primeiro milênio foi diversificada em relação ao problema dessa “conversão” do pão e do vinho em corpo e sangue de Cristo. Os termos usados para afirmar aquilo que sempre foi a convicção da Igreja foram, portanto, diversos. A convicção, porém, era única: no pão e no vinho repartidos na Eucaristia estava a presença real de Cristo. Entre os diversos termos usados para expressar essa realidade podemos citar as palavras “conversão”, “mudança”, “transformação” e “santificação” dos dons do pão e do vinho. A partir da Idade Média, com a ajuda da filosofia aristotélica, se consagra o termo “transubstanciação”.

Substância é literalmente o que está debaixo. Assim, tomando as categorias da filosofia de Aristóteles, a doutrina da transubstanciação é elaborada para expressar o processo de conversão do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo que, segundo dado bíblico – “isto é meu corpo” – era preciso explicar como uma verdadeira mudança.

 

Os concílios

Durante o IV Concílio lateranense, em 1215, a doutrina da transubstanciação foi, pela primeira vez, afirmada solenemente. O concílio fez uso de um termo filosófico que se tinha formado no século XII e que buscava afirmar a presença real de Cristo nas espécies eucarísticas. Houve, nesse sentido, uma tentativa de síntese entre tendências que afirmavam o realismo e o simbolismo da eucaristia em contraposição a alguns heréticos do tempo.

O termo transubstanciação passou então a expressar o que a Igreja acredita que acontece na eucaristia. A “substância” do corpo de Cristo, isto é, o essencial das espécies (pão e vinho) muda mesmo que os acidentes (o fenomênico) permaneçam. As aparências das espécies permanecem as mesmas, mas a fé vê neles a presença real do Corpo e do Sangue de Cristo. O conceito de transubstanciação evita, por isso, um realismo excessivo quase físico porque o que muda é só o que “está debaixo”, mas evita também um simbolismo espiritualizante ao afirmar que algo muda, de fato, na realidade.

O Concílio de Trento, na sua segunda fase, ocorrida entre os anos 1551 e 1552, reafirmou a doutrina da transubstanciação no contexto da polêmica com Martinho Lutero e seus seguidores.

 

A fé da Igreja desde o início

Assim, por meio do termo transubstanciação e todos os demais termos, sempre se quis afirmar uma única verdade de fé: a presença real do Cristo ressuscitado no pão e no vinho eucarísticos. Isso é o que a Igreja crê que acontece durante a invocação do Espírito Santo e a recordação das palavras de Jesus ditas durante a Última Ceia. Esta é a fé bimilenar da Igreja católica.

Assim, o católico é convidado – mais do que se adentrar em discussões filosóficas e teológicas – a aderir com o coração e acreditar que na eucaristia está Cristo realmente presente. Ele se faz alimento, comunica a sua própria vida, sua nova aliança e, desse modo, edifica sua comunidade como seu próprio corpo e sangue. A eucaristia é o alimento do cristão para o caminho na sua peregrinação terrestre rumo à pátria definitiva.

Padre Juliano Dutra, SAC

O autor, colaborador desta Revista, é padre
Palotino e professor de História da Igreja na
Faculdade Palotina – Fapas, em Santa Maria (RS)
julianodutr@gmail.com

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