Artigos › 25/05/2023

CONVIVIALIDADE

Com frequência nos deparamos com cenas e discursos preconceituosos, xenofóbicos dentre tantos que denotam intolerância racial, étnica, religiosa, comportamental e muitos outros tipos. Muitas vezes certas falas estão atravessadas por tais atitudes que também estão permeadas pelo ódio. São os discursos de ódio contra algo, alguém, um povo etc.

Poderia enumerar muitos tipos de discursos, mas introduzi o tema para abordar sobre a convivialidade de uma tendência cultural que vai na contramão de tais discursos. Segundo o teólogo italiano, Michele Giulio Masciarelli, convivialidade é uma tendência cultural que deve se tornar comensalidade, como uma experiência entre as culturas. “Para mudar o mundo ao sinal da justiça, é preciso mudar a vida ao sinal do amor”.

A convivialidade envolve a relacionalidade humana, pastoral, e uma personalidade empática que permita distinguir a capacidade de acolhida e compreensão diante dos problemas da vida. A convivialidade capacita uma vida relacional de escuta e confiança no outro sempre disposto a proceder de forma acolhedora, não importando quem seja: sua origem, raça, etnia, comportamento, religião etc.

A convivialidade vai além da tolerância que não interpreta mais a complexidade contemporânea. Citando novamente o teólogo italiano podemos pensar que: “Hoje, na sociedade das diferenças, na sociedade multicultural, multiétnica, multirracial e multi religiosa, a tolerância não é mais suficiente, porque, nesta nova situação, não podemos nos relacionar com o outro como uma simples atitude de respeito. Já é muito, mas também é pouco demais. Hoje, o problema é que, com o outro, devemos conviver e, acima de tudo, construir um destino comum. É preciso passar de atitudes simplesmente de respeito e de tolerância a atitudes de cooperação, de convivialidade, de simpatia, por um caminho de civilização a ser feito juntos”.

É preciso construir uma cultura de convivialidade. Seu significado é exaltante, mas difícil e exigente, pois é uma das formas mais altas e refinadas da educação. Vai além da tolerância que demonstra civilidade, para um patamar acima com outras perspectivas por ser mais profunda porque vai além da tolerância recíproca.

 

Tolerância e ternura

A tolerância tem um grau elevado de civilidade, mas a convivialidade é um grau mais elevado porque propõe desmistificar as razões que justificam os bastiões de separação. A tolerância seria: “eu tolero”, mas cada um fica no seu próprio mundo. A convivialidade pede a pedagogia dos gestos, exige ativação mais realista das atitudes e dos discursos, não é somente uma narrativa, algo contado.

A cultura da convivialidade desemboca na cultura da ternura, mas é preciso criar uma mentalidade convivial, uma personalidade convivial para reconhecer o outro e tomá-lo em custódia, sugere Masciarelli, ou seja, treinar para usar estilos conviviais até criar, com o tempo, a cultura convivial. Inicia na própria pessoa como indivíduo para criar tal cultura na sociedade e no mundo. Tal cultura desemboca ou se insere, escreve o teólogo, num “estilo permanente dos indivíduos e da comunidade voltado à atenção, ao interesse pelos outros, ao respeito pelas relações, ao compromisso solícito, à alegria da operosidade, ao senso lúdico, à síntese entre contemplação e ação. Ternura é adaptabilidade, ductilidade, elasticidade, como alternativa à rigidez da mente, do coração, dos projetos e das operações. Diz-se que o ramo da árvore é tenro quando flexível. Não se trata de entrar em compromissos baixos com a consciência, mas sim subir para a amorosidade da convivência”.

 

Fecundação recíproca

A civilização da ternura fecundada pela convivialidade realiza a fecundação recíproca das diferenças. Portanto, a convivialidade abre a possibilidade de incorporar a multiplicidade de formas sociais e conviver com absoluta liberdade com as diferentes formas sociais. Rompe com a racionalidade que visa somente seus próprios interesses e abre para a solidariedade entre as pessoas e povos. Não se fixa em divisões, mas se interessa pelas relações sociais que implica interação entre as pessoas.

Isso tudo pode parecer utópico, mas não é, porque existem sinais de convivialidade. Talvez o foco se volte ainda muito para a tolerância que já é um bom começo. Mas é preciso ir além, não somente tolerar o outro, um povo, uma nação etc.

A tolerância está mais voltada para a racionalidade instrumental, mas é preciso ir além e criar uma sociedade convivial baseada na solidariedade e estabelecer outras formas de convivência até mesmo com a natureza.

 

Padre Sérgio Lasta, SAC

O autor, colaborador desta revista, é psicólogo, doutor
em Educação e padre palotino em Santa Maria (RS)
sergiolasta@gmail.com

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