Por que na Igreja Católica batizamos quando bebês?
Por que na Igreja Católica batizamos quando bebês?
Esta pergunta (às vezes em forma de repreensão) nos é feita frequentemente; ela está baseada em uma divergência na prática diversa na administração do batismo verificada nas diferentes igrejas cristãs.
Comecemos com um dado antropológico elementar: uma coisa boa não queremos que também seja experimentada por nossos familiares e amigos mais próximos? Creio que a resposta é afirmativa. Então se o batismo nos faz verdadeiramente participar da família divina, nos insere na comunidade dos que peregrinam rumo à pátria definitiva, nos que já estão comprometidos em construir já neste mundo um espaço e ambiente de paz e fraternidade, por que, então, não desejar que nossos filhos participem realmente dessa graça e desse projeto?
O dado humano, entretanto, não é o mais importante. O ensinamento da Igreja nos remete a algo ainda mais fundamental. O batismo apaga a mancha do pecado original com o qual todos nós nascemos. Em palavras simples: a Igreja ensina – e esta é sua doutrina – que o gérmen da maldade e da fraqueza humana faz parte de sua condição como ser humano enquanto tal desde o seu nascimento. O batismo é a graça de Deus derramada no coração humano para que este possa acolher o próprio Deus que se lhe revela ao longo da vida. Na linguagem paulina, poderíamos dizer: também as crianças precisam ser libertadas do poder das trevas e serem transferidas para o domínio da liberdade dos filhos/as de Deus (cf. Cl 1,12-14) para a qual todos estamos chamados. E a gratuidade divina, neste sentido, é particularmente manifestada exatamente no batismo de crianças. Ao batizar as crianças, os pais e a Igreja não querem privar os pequenos/as dessa “graça inestimável” da filiação divina (cf. CIC, n. 1250). Quanto antes estes tiverem acesso a esta graça, melhor. Assim, perdão dos pecados, criatura nova, incorporação à Igreja são os grandes e principais dons do batismo.
Como era no início?
Entretanto, alguém dirá: é, mas nem sempre foi assim! É verdade! Todavia, muita coisa na Igreja não foi como é hoje. Mas isso não é um problema! A Igreja Católica ensina que duas são as fontes da revelação divina: a Escritura e a Tradição. Esta última se refere à maneira como Deus continuamente continua a fazer-nos
compreender como ser fiel a Ele na história, no hoje da nossa vida (Dei Verbum, 7-9). É por isso que São João XXIII inseriu como categoria teológica e desafio eclesial a necessidade de ler os “sinais dos tempos”.
Todavia, historicamente, no que se refere ao batismo de crianças – ainda que não dito explicitamente – é provável que desde quando “casas” (famílias) inteiras eram batizadas (cf. At 10,1-48; 16,15.33; 18,8; 1Cor 1,16) também as crianças recebiam o batismo; ele tem, pois, uma origem apostólica. Em todo caso, o certo é que a prática mais comum até o século IV era o batismo de adultos. O cristianismo era uma decisão perigosa – podia implicar a morte, ou seja, o martírio – e, por isso, exigia um tempo de preparação que foi chamado de catecumenato; um tempo de preparação foi variável de acordo com o lugar e o período nas comunidades cristãs.
Mas não nos espantamos com a controvérsia atual. No terceiro século, por exemplo, havia opiniões diversas sobre este mesmo assunto – o batismo de crianças – mesmo ao interno do cristianismo; São Cipriano (+258) e Orígenes (c.185-c.254) são favoráveis a esta prática enquanto que Tertuliano (c.160-c.225) é contrário. O que é certo é que a partir do século V a prática se difunde e é aceita de maneira praticamente universal. É somente no século XVI, no contexto da reforma luterana e as demais reformas daí derivadas, que a polêmica volta a aparecer e permanece até hoje.
Retomando o sentido teológico do batismo, a Igreja Católica então – seguindo uma prática milenar – afirma que é um direito e um dever dos pais favorecerem aos filhos a receberem esta graça batismal. E, para concluirmos, recordemos o que diz um outro Padre da Igreja, São Justino; na sua Primeira Apologia (c. 61), ele descreve o batismo como banho da regeneração e também como iluminação. Quem, pois, crê neste ensinamento da Igreja não quererá que seu filho/a receba este banho e participe dessa luz o quanto antes? Importa depois, porém, favorecer para que o filho/a possa fazer desabrochar a semente da fé e da graça de Deus depositada no seu coração.
O autor, Juliano Dutra, é colaborador desta Revista, padre palotino e professor de História da Igreja na Faculdade Palotina – Fapas, em Santa Maria (RS)
Texto publicado na edição de setembro de 2022