Artigos › 19/12/2024

Celebrar a fé só nos momentos bons? O desafio de fortalecer a fé em meio a dores

Eu não fui criado pela minha vó. Por nenhuma delas. Meus pais saíram do interior e foram morar na capital antes mesmo de sonharem com o meu nascimento. Por isso, eu não tive o contato diário que minhas primas tiveram com as minhas avós. Dos dois lados da família. Mas, isso não significa que eu não tivesse um amor verdadeiro por elas. Muito pelo contrário: ir para o interior era sempre motivo de festa, de reencontro. Sempre me senti acolhido, como se nunca tivesse saído de perto delas. Minha avó paterna, me recebia com um pãozinho com maionese que, embora fosse fácil de encontrar no mercado, só ela sabia fazer. Minha avó materna, por sua vez, recebia-me com um pãozinho com mortadela que, apesar de ser igualmente fácil de encontrar no mercado, também tinha um gosto único. E depois que elas se foram, eu nunca mais tive vontade de comer um pãozinho sequer. Independentemente do recheio.

É muito difícil entender a passagem para a Vida Eterna. Por mais que a gente saiba que um dia, lá longe, isso vai acontecer, a gente nunca se sente preparado para dizer adeus a quem nos importa. Isso tem a ver com afeto. Quem nos afeta não pode se distanciar sem gerar dor. É nessa hora que o católico tem um alento. A distância é momentânea, passageira. E a promessa é de, um dia, lá longe, acontecer o reencontro. Não haverá mais choro, não haverá mais dor, não haverá mais tristeza. O problema é que, até lá… até este dia chegar, dói muito.

Comecei falando das minhas avós porque sinto falta delas. Contudo, o que me machuca mais é a dor dos meus pais. Sei que não há um dia que meu pai não pense na mãezinha dele. Sei que não há um dia que minha mãe não chore de saudade da mãezinha dela. E eu fico aqui com o coração partido lembrando dos momentos de mesa lotada das famílias do interior com muita bagunça, churrasco e alegria. E eu fico aqui com o coração partido pensando em como amenizar minimamente o que eles sentem e imaginando quantos que estão, neste momento, lendo esse texto, se sentindo desta mesma forma.

 

Celebrar a fé em todos os momentos

Só posso me recordar, então, de um questionamento que, certa vez, ouvi do padre Henrique Zimmer: devemos celebrar a fé só nos momentos bons?

O contexto dessa indagação era, justamente, o de um velório do pai de um grande amigo do grupo de jovens ao qual pertenci minha vida toda. A fé não é para ser celebrada apenas nos momentos bons. A fé deve ser celebrada também nos momentos de dor. Deus nos dá a oportunidade de viver o extraordinário dentro do ordinário. É no rotineiro que percebemos a graça de ter quem temos ao nosso lado. Deus nos concede a bênção de viver ao lado de pessoas incríveis pelo tempo que for. O quanto conseguimos aproveitar desse tempo? O quanto valorizamos as presenças?

O quanto fazemos questão de criar memórias ao lado de quem amamos? E em meio a tudo isso, é importante lembrar que Deus nunca prometeu que passaríamos pela vida terrena sem dor. Em João 16,33 está, para mim, um dos recados mais lindos da Bíblia: “Neste mundo, vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo!”.

A gente não consegue se livrar das dores do mundo. A gente não consegue se livrar da saudade. É por isso que, mesmo em meio a tudo isso, devemos celebrar a nossa fé. Devemos celebrar a fé que nos dá forças para seguir em frente. Devemos celebrar a fé que nos permite compartilhar a vida com quem mais amamos pelo tempo que for. Ele venceu o mundo e, por isso, devemos celebrar a fé que nos garante que nossos entes queridos estão na graça de Deus em um lugar em que não há mais dor alguma. E que um dia, lá longe, nos reencontraremos neste mesmo lugar!

 

Fé transmitida de geração em geração

Minhas avós tinham esta fé e a passaram aos meus pais. Meus pais passaram esta fé para mim e eu passarei para os meus filhos. Sim, a fé deve ser celebrada. E quanto mais eu me preparo e fortaleço na fé, mais certeza eu tenho de que, um dia, lá longe, minhas avós vão me receber sorrindo na Casa do Pai. E com um pãozinho daqueles…

 

 

 

Luiz Filipe Oliveira de Macedo

O autor, colaborador desta Revista, é Graduado em Letras e Mestre em Estudos da Linguagem pela UFRGS

lzfmacedo   |   lzfmacedo@gmail..com

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