Artigos › 12/04/2021

Shëkhulåh: O luto materno da morte à ressurreição

Celebramos a ressurreição. Neste tempo da alegria pascal uma reflexão de consolo e de esperança proponho a todas as mães que, como Maria, choraram a morte, a ausência e a perda de seus filhos. O resgate da vida, garantido pela imortalidade revelada em Jesus, levanta os ombros caídos e os rostos entristecidos pela saudade.

O luto de Maria é a síntese do luto materno. O luto inominável do vazio que clama por completude, por presença e por alívio. Luto vivenciado até a última instância do silêncio, processado nos dias de abandono nas mãos de Deus e ressignificado pela vida que sempre vence; que vence a dor, a tristeza e morte.

No luto de Maria temos a expressão do sofrimento que a sociedade vê, conhece e presencia, mas que não sabe dar nome a esta condição. Quando um pai morre, o filho recebe o nome de órfão. Quando o cônjuge morre o outro se torna viúvo. Quando se perde um filho, os pais são pais do filho que morreu.

Não há nome para esta dor na maioria dos idiomas. No hebraico bíblico, porém, existe uma palavra que identifica pais enlutados por um filho: a palavra é shëkhulåh.

Este adjetivo aparece só uma vez no texto hebraico, em Is 49,21 e é traduzido como “desfilhada”.

A mãe que perdeu um filho, independentemente do tempo de vida dele, não pode ser classificada por uma palavra, por isso as traduções de shëkhulåh vão de mulher “sem filho” (na Bíblia do Peregrino) à mulher “que não tinha filho nem podia ter filho” (na tradução em espanhol). O adjetivo se torna expressão e, ainda assim, é incapaz de abarcar a realidade emocional, afetiva e social daquela que se enlutou por um filho.

Ao referir-se a este luto tão singular, a Teologia Bíblica apresenta o luto de Sião pela perda de seus filhos e a intervenção divina que os resgata e vivifica. A interpretação teológica também apresenta Maria como a figura que resume o povo de Deus e, neste contexto, as mães enlutadas. Em Maria, essas mães têm um novo horizonte. A mãe das dores é, também, a mãe da alegria. O abismo desumano da perda do filho é equilibrado e superado pelo enlevo do abraço que alcança a eternidade e que não poderá ser dissolvido, negado nem separado jamais. Este é o sonho das mães “desfilhadas”: voltar a estar com seu filho. Esta é a certeza que a ressurreição do filho de Maria, de Jesus, o Cristo, dá como resposta à morte e ao luto. A vida sempre vence!

A autora, Sonia Sirtoli Farber, é Tanatóloga e doutora em Teologia. Texto publicado na edição de abril de 2021 da Revista Rainha. 

Deixe o seu comentário





* campos obrigatórios.