Os netos são a lenha do amor
No dia 26 de julho é comemorado o Dia dos Avós, data em que a Igreja Católica celebra São Joaquim e Santa Ana, pais de Maria, avós de Jesus. Aos avós de ontem e aos avós de hoje, esse dia é de vocês!
Se a gente fechar os olhos e tentar lembrar da nossa infância com os nossos avós, o que vem na nossa cabeça? O que sentimos? Qual lembrança guardamos? A minha memória mais remota é de uma casa bem fria, no interior do Rio Grande do Sul, onde meus avós tinham uma pia na parte externa da casa que estava sempre cheia de água. Lembro que nós, os netos, costumávamos subir nessa pia e tocar na água quase congelante. Não sei por que fazíamos isso, mas consigo sentir até hoje o frio de então!
Lembro também do fogão a lenha na cozinha, que tinha uma gavetinha pra colocar a lenha cortada, onde minha avó fazia polenta brustolada (na chapa do fogão) e sempre dizia que a gente tinha comido pouco, e então tacava-lhe mais comida no prato.
Lembro da minha avó rezando as orações do dia em uma mesma cadeira, no cantinho da sala. Eram sempre as mesmas orações que ela repetia como uma ladainha, pedindo bênçãos a sua família e agradecendo tudo o que tinha. Lembro que a respeitávamos muito, ninguém levantava a voz ou discutia.
E lembro, por fim, o quanto ela amava colocar perfume. Estava sempre com algum diferente, mas gostoso. Lembro só dela, porque meu avô faleceu quando eu era muito pequena, então as memórias ficaram todas voltadas ao rosto enrugado da minha avó, com mãos fortes, pele clarinha e um sorriso amável nos lábios.
Cada um de nós traz uma lembrança dos avós, do período da nossa infância em que encontrávamos aquelas pessoas bem mais velhas que a gente, que pareciam ter as respostas para qualquer uma das nossas perguntas, e que oscilavam, tipo pêndulo, entre muito rígidos e muito coração mole.
Eu sempre tive uma ideia clara de como os víamos, mas nunca tinha pensando em como meus avós nos viam. Em como eles rejuvenesciam com a nossa presença. Hoje, quando minha mãe se tornou avó, vejo o outro lado. Vejo o quanto os avós também guardam lembranças de seus netos, e vejo a felicidade cada vez que a casa se enche com a alegria que só as crianças são capazes de trazer.
Os avós de hoje são bem diferentes dos de antigamente em muitos aspectos. Primeiro, não são tão velhos. Não têm tantas rugas. Não estão tão desconectados do mundo jovem. Não são tão sedentários. Nem são tão rígidos. Muitos nem aposentados estão, continuam na ativa.
Mas eles se assemelham aos de ontem pela alegria que sentem quando os netos estão em volta. Claro que estou falando de forma genérica. Muitos não sentem isso. Muitos são colocados praticamente na função dos pais. Têm que educar, dar banho, comida, fazer dormir, enquanto os pais trabalham ou estão ausentes. Mas eu não me refiro a esses. Me refiro aos avós que são simplesmente…avós. Que envelheceram, se aposentaram e estavam ali, vendo a vida passar, entrecortada por uma novela, uma boa dose de tédio, uma refeição ou um remédio.
Estavam já acomodados no sofá da sala e da vida. Viram os filhos crescerem e virarem adultos. Já não tinham mais preocupações. E, de repente, a rotina do dia a dia pacato deu lugar a um agito peculiar. Um novo ser humano nasceu e foi parar nos braços de quem tantas vezes carregou os filhos no colo e já nem se lembrava mais. E então nasceu aquele amor sem a responsabilidade de educar, de corrigir. Aquele amor espontâneo, sem compromissos. Aquele amor leve, que chega, mima, brinca e vai embora. Amor de avó e de avô.
Amor que devolve sorriso ao rosto de quem já não sorria mais tão espontaneamente. Devolve um senso de utilidade a quem achava que já não tinha mais serventia. Devolve um brilho no olhar a quem já o havia perdido em algum lugar do passado. Devolve um sentimento de afinidade, de doação, de mágica até, que estava esmorecido por aí.
Muitos avós voltam a se cuidar, a se alimentar de forma saudável, a fazer exercícios…impulsionados pelos netos. Sentem que precisam disso para estarem bem para eles, para poderem brincar, para não ficarem “pra trás”. Visualizam um futuro com nova energia, com novas cores no horizonte até então cinza. Renascem.
Eu tenho a sorte de o meu filho ter avós maravilhosos. E queria poder agradecer pelo tanto que fazem sem receber nada em troca, a não ser o carinho dos pequenos, carinho que é como lenha para a vida continuar quentinha e acolhedora. Como a lenha que a minha avó colocava na gavetinha do fogão para esquentar a comida e a casa. Os netos são isso, são lenha que dão novo sentido à vida dos avós.
Feliz Dia dos Avós!
A autora, Flávia Polo, colaboradora desta Revista, é jornalista e escritora com MBA em Negociação Internacional. Texto publicado na edição de julho de 2020.