Sem categoria › 04/01/2018

A castidade consagrada – liberdade no amor

Paternidade e maternidade. Todo o Antigo Testamento está orientado para a paternidade e a maternidade. A primeira palavra que Deus dirige ao homem e à mulher é um imperativo: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e dominai-a” (Gênesis 1,28). Conforme a mentalidade vigente, a mulher estéril era considerada uma pessoa rejeitada por Deus e desprezada pela sociedade.

A sobrevivência da família dependia dos filhos. O nome do pai devia ser perpetuado de geração em geração. Porém, havia também algumas exceções. Durante os anos de estudos da Toráh, isto é, da Lei, o homem podia viver o celibato temporário. Um documento dizia: “O homem pode abster-se das relações sexuais, mesmo sem a permissão de sua mulher, até os trinta anos, para melhor estudar e meditar a Lei”. Já o Talmud da Babilônia dizia: “O homem pode abster-se das relações sexuais somente com a permissão de sua mulher, tanto tempo quanto for necessário para estudar a Lei”.

A partir destes textos, entendemos por que Jesus medita e se prepara até os trinta anos na Casa de Nazaré. Só depois desta idade, ele inicia a sua vida pública. Portanto, podemos dizer que há uma valorização do celibato, porém como meio para melhor estudar a Lei, e não como uma opção e escolha de vida.

A nova mentalidade. Conforme a legislação do Deuteronômio, o homem eunuco não podia fazer parte da Assembléia de Israel (Dt 23,2), nem ter direito de participar da vida social. Após o exílio, começa a despertar uma nova sensibilidade e compreensão quanto ao celibato. Isaías dizia que o eunuco, que era desprezado e rejeitado, também teria lugar, a partir daquele momento, de frequentar a casa de Deus

(Is 56,3-5). O livro da Sabedoria vai dizer: “É melhor ser estéril do que ter filhos perversos” (Sb 3,13-19).

Os três tipos de eunucos. Em Mateus 19,1-12, Jesus propõe um novo modo de viver o amor na condição de “eunuco”. Ele não nega o casamento, mas mostra que não é o único caminho possível. A partir de então, há um novo jeito de fazer a opção de vida, que vai além do matrimônio. Para evitar mal-entendido, Jesus mesmo faz a distinção, dizendo que há três tipos de eunucos. A sociedade do tempo de Jesus só conhecia os dois primeiros. Ele diz também que nem todos são capazes de compreender esta terceira categoria. O que Jesus propõe, ao distinguir os três tipos, é a liberdade de coração no seguimento.

Superando o preconceito. Jesus aceita o insulto de ter sido chamado de “eunuco”. Acolhe esta

expressão em si mesmo, porém vai completar:

“Eunucos pelo Reino dos céus”. Eis a grande novidade. Não podemos esquecer que Mateus escreveu seu Evangelho para os judeus, mentalidade contrária ao celibato. Jesus não é moralista, mas uma pessoa livre. É a sua grande escolha de viver a intimidade com o Pai, sem constituir família humana e sem ter filhos. Este convite não é feito para todos.

A pergunta dos discípulos: “Vale a pena se casar?” Pelo que tudo indica, quase todos os seus discípulos já eram casados. A pergunta parte deles. Com a chegada de Jesus, também o matrimônio é relativizado. Jesus renova o celibato a partir de sua experiência de vida, mostrando que existe um novo modo de viver a paternidade e a maternidade, sem gerar filhos: “Não nascidos da carne e do sangue, mas segundo o Espírito” (João 3,6). É possível ser pai ou mãe da humanidade, acolhendo, no coração, os pobres, os pequenos e os sofredores, mediante este novo estado de vida. Agora, as pessoas são livres para fazerem sua opção de vida, de acordo com sua convicção interior. Cristo não rompeu com a lei do matrimônio, mas propôs sua plenitude, que é o Reino de Deus. Quem faz a opção pelo celibato não despreza o matrimônio. Da mesma forma, quem faz a opção pelo matrimônio, não despreza o celibato. As duas opções necessitam de uma visão positiva, tanto da afetividade como da sexualidade.

O ápice do amor. Jesus não foi enviado para formar uma família, mas para reunir todos os povos dispersos, fazendo da humanidade uma “única família”. Jesus não realizou sua afetividade na opção amorosa por uma só pessoa. Ele esteve aberto a todos. Quem foi agraciado com o carisma e o dom da virgindade não terá alguém ao seu lado para a intimidade, como no casamento, pois o amor celibatário é sempre um amor universal.

A pessoa de vida consagrada toma sobre si, não o jugo pesado da consagração, mas o peso suave da doação e da entrega. Somente quem tem diante de si a pessoa de Jesus e escuta a sua Palavra poderá renunciar a ter mulher ou marido, filhos, bens e propriedades.

O celibato de Jesus possibilitou a ele total disponibilidade e mobilidade itinerante. O celibato foi o sinal da cruz, “a cruz de cada dia”. Seu corpo foi sempre o “corpo imolado” e o “corpo eucarístico”. A morte na cruz foi o momento supremo desse sacrifício que se iniciou na encarnação, o ápice de seu amor celibatário: “Amou-os até o fim”.

Vida consagrada é abertura. Jesus não foi essênio e nem sacerdote do Templo. Ele assumiu o “novo sacerdócio”. Seu celibato foi sua própria vida e na força do seu profetismo. O celibato de Jesus continha grande força de transformação social, política e religiosa. Opunha-se a uma sociedade fechada, pois vida consagrada e celibatária é sempre abertura.

A missão não se realiza na solidão, mas na interajuda com os demais.

O amor celibatário é criativo. Inspira ações em favor dos mais pobres. Mostra ao mundo o coração compassivo de Deus. Jesus não viveu o celibato da solidão, mas da comunhão. Sua virgindade não foi esterilidade, mas fraternidade. Com ele, nasceu um novo tipo de comunidade, pois “tinham até o dinheiro em comum” (Jo 13,29). Virgindade sem partilha de fé e vida é negação do carisma, é negação do amor.

Em um mundo erotizado, onde a sexualidade se tornou mercadoria barata, é necessário que apareçam os “sinais do amor oblativo”. Vida consagrada e celibatária não é desumanização, nem negação da afetividade, mas harmonia entre o corpo e o espírito. O vazio afetivo que a virgindade requer é preenchido pela força do amor, pela amizade verdadeira, pela convivência fraterna e pela intimidade com o Pai.

A castidade é um toque de amor. Cada pessoa, casada ou não, segundo seu estado de vida, participa do seguimento de Cristo. As distrações do mundo nunca preenchem totalmente o coração humano. O mundo moderno oferece tudo, mas nem tudo satisfaz.

A castidade deve ser acolhida com gratidão.

É dom germinal, isto é, semente que nasce de um coração generoso. Sem o “sim” humano, na liberdade, não há castidade. A virgindade não se confunde com uma opção de vida solteira ou viúva, que algumas pessoas assumem por livre decisão, ou porque a sociedade lhes impôs tal condição.

O voto de castidade é uma escolha livre do coração. É um estado de vida que edifica toda a Igreja. Quem faz tal escolha sabe que não vai viver somente para seus interesses, mas a serviço dos outros e da humanidade. Sabe também que não fará prevalecer sua genitalidade; nem terá um homem ou uma mulher “somente para si”. Seu amor efetivo e afetivo dilata fronteiras. É a fecundidade no Espírito.

Dom Agenor Girardi

Deixe o seu comentário





* campos obrigatórios.